PUC-Rio
Vestibular de Inverno 2006Provas e Gabaritos

 TIPOS DE PROVAS 
16/07/2006
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DISCURSIVAS Redação e Língua Portuguesa e Literatura Brasileira Física, Matemática e Química Geografia e História
OBJETIVAS Inglês e Espanhol Biologia , Geografia e História

Biologia, Física, Matemática e Química

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HABILIDADES ESPECÍFICAS
(prova realizada em 15/07/2006)

- Memorial para TEOLOGIA

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LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA BRASILEIRA (discursiva) - todos os cursos
Prova realizada no dia 16/07/2006


Texto 1:
1
Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia, e como fosse trazido à
sua presença um pirata que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de
andar em tão mau ofício; porém, ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim. — Basta, senhor,
que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? —
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Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza; o roubar com pouco poder faz os piratas, o
roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades e interpretar as
significações, a uns e outros definiu com o mesmo nome: Eodem loco pone latronem et piratam, quo regem
animum latronis et piratae habentem.
Se o Rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o
pirata, o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.
 

[Fragmento do Sermão do bom ladrão, de Pe. António Vieira]


Questão 01 (valor: 2,0 pontos)

Uma das mais importantes características da obra do Padre António Vieira refere-se à presença constante em seus sermões das dimensões social e política, somadas à religiosa. Comente esta afirmativa em função do texto acima.

   
Resposta: (Outras respostas poderão ser aceitas, desde que atendam às especificações dos enunciados)
O fragmento acima é um bom exemplo da preocupação do Padre António Vieira com temas de caráter social e de dimensão política. A aproximação e a comparação da figura de Alexandre Magno, grande conquistador do mundo antigo, com a do pirata saqueador evidenciam a crítica aos valores morais e a visão ideológica do autor.

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Questão 02 (valor: 2,0 pontos)

a) Em seu livro Introdução à Retórica, Olivier Reboul define figura de sentido como um recurso de estilo que consiste em “empregar um termo (ou vários) com um sentido que não lhe é habitual”. Explique por que o emprego do termo Alexandres, na linha 6, pode ser considerado uma figura de sentido de acordo com essa definição.

b) C. Cunha e L. Cintra, em sua Nova Gramática do Português Contemporâneo, afirmam que a vírgula pode ser empregada, no interior da oração, para indicar a supressão de uma palavra (geralmente o verbo). Retire do texto o trecho em que a vírgula foi utilizada com esse propósito e indique o verbo que foi omitido.
   
Respostas: (Outras respostas poderão ser aceitas, desde que atendam às especificações dos enunciados)
a) O termo em questão é em geral utilizado como nome próprio, o que ocorre, por exemplo, quando Vieira se refere ao imperador Alexandre nas linhas 1 e 2. Na linha 6, o termo Alexandres aparece com emprego distinto do habitual, enquadrando-se, portanto, na definição de figura oferecida por Reboul: em vez de se referir a indivíduos de nome Alexandre, refere-se metonimicamente a todos aqueles que, como Alexandre Magno, alcançam poder e glória com suas conquistas e apropriações.

b) É o seguinte o trecho em que o emprego da vírgula indica supressão do verbo: “o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres”. A segunda vírgula indica, no caso, a supressão do verbo fazer.

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Texto 2:

1
Entre a desordem carnavalesca, que permite e estimula o excesso, e a ordem, que requer a continência
e a disciplina pela obediência estrita às leis, como é que nós, brasileiros, ficamos? Qual a nossa relação e a
nossa atitude para com e diante de uma lei universal que teoricamente deve valer para todos? Como
procedemos diante da norma geral, se fomos criados numa casa onde, desde a mais tenra idade,
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aprendemos que há sempre um modo de satisfazer nossas vontades e desejos, mesmo que isso vá de
encontro às normas do bom senso e da coletividade em geral?
              Num livro que escrevi – Carnavais, malandros e heróis –, lancei a tese de que o dilema brasileiro
residia numa trágica oscilação entre um esqueleto nacional feito de leis universais cujo sujeito era o
indivíduo e situações onde cada qual se salvava e se despachava como podia, utilizando para isso o seu

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sistema de relações pessoais. Haveria assim, nessa colocação, um verdadeiro combate entre leis que
devem valer para todos e relações que evidentemente só podem funcionar para quem as tem. O resultado é
um sistema social dividido e até mesmo equilibrado entre duas unidades sociais básicas: o indivíduo (o
sujeito das leis universais que modernizam a sociedade) e a pessoa (o sujeito das relações sociais, que
conduz ao pólo tradicional do sistema). Entre os dois, o coração dos brasileiros balança. E no meio dos
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dois, a malandragem, o “jeitinho”, e o famoso e antipático “sabe com quem está falando?” seriam modos de
enfrentar essas contradições e paradoxos de modo tipicamente brasileiro. [...]
              De fato, como é que reagimos diante de um “proibido estacionar”, “proibido fumar”, ou diante de uma
fila quilométrica? Como é que se faz diante de um requerimento que está sempre errado? Ou diante de um
prazo que já se esgotou e conduz a uma multa automática que não foi divulgada de modo apropriado pela

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autoridade pública? Ou de uma taxação injusta e abusiva que o Governo novamente decidiu instituir de
modo drástico e sem consulta?
              Nos Estados Unidos, na França e na Inglaterra, somente para citar três bons exemplos, as regras ou
são obedecidas ou não existem. Nessas sociedades, sabe-se que não há prazer algum em escrever
normas que contrariam e, em alguns casos, aviltam o bom senso e as regras da própria sociedade, abrindo

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caminho para a corrupção burocrática e ampliando a desconfiança do poder público. Assim, diante dessa
enorme coerência entre a regra jurídica e as práticas da vida diária, o inglês, o francês e o norte-americano
param diante de uma placa de trânsito que ordena parar, o que – para nós – parece um absurdo lógico e
social, pelas razões já indicadas. Ficamos, pois, sempre confundidos e, ao mesmo tempo, fascinados com a
chamada disciplina existente nesses países. Aliás, é curioso que a nossa percepção dessa obediência às

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leis universais seja traduzida em termos de civilização e disciplina, educação e ordem, quando na realidade
ela é decorrente de uma simples e direta adequação entre a prática social e o mundo constitucional e
jurídico. É isso que faz a obediência que tanto admiramos e, também, engendra aquela confiança de que
tanto sentimos falta. Porque, nessas sociedades, a lei não é feita para explorar ou submeter o cidadão, ou
como instrumento para corrigir e reinventar a sociedade. Lá, a lei é um instrumento que faz a sociedade
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funcionar bem e isso – começamos a enxergar – já é um bocado! Claro está que um dos resultados dessa
confiança é uma aplicação segura da lei que, por ser norma universal, não pode pactuar com o privilégio ou
com a lei privada, aquela norma que se aplica diferencialmente se o crime ou a falta foi cometida por
pessoas diferencialmente situadas na escala social. Isso que ocorre diariamente no Brasil, quando,
digamos, um bacharel comete um assassinato e tem direito a prisão especial e um operário, diante da
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mesma lei, não tem igual direito porque não é, obviamente, bacharel... A destruição do privilégio engendrou
uma justiça ágil e operativa na base do certo ou errado. Uma justiça que não aceita o mais-ou-menos e as
indefectíveis gradações e hierarquias que normalmente acompanham a ritualização legal brasileira, que
para todos os delitos estabelece virtualmente um peso e uma escala.
 


[Fragmento de “O modo de navegação social: a malandragem e o `jeitinho´”,
cap. 7
de O que faz o Brasil, Brasil, de Roberto DaMatta]

Questão 03 (valor: 2,0 pontos)

a) Demonstre que reaparece no Texto 2 a temática expressa na seguinte passagem do Texto 1: “o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres” (linhas 5-6).

b) Com base na leitura do Texto 2, você diria que, para DaMatta, é por serem menos civilizados e disciplinados que brasileiros obedecem menos às leis do que franceses, ingleses e norte-americanos? Justifique sua resposta.
   
Respostas: (Outras respostas poderão ser aceitas, desde que atendam às especificações dos enunciados)

a) Assim como Vieira, DaMatta se refere criticamente à situação em que um mesmo crime é julgado de forma diferenciada conforme o poder e o prestígio social de quem o comete. Isso fica claro, por exemplo, quando, referindo-se ao caso do Brasil, DaMatta faz a seguinte colocação:

Isso que ocorre diariamente no Brasil, quando, digamos, um bacharel comete um assassinato e tem direito a prisão especial e um operário, diante da mesma lei, não tem igual direito porque não é, obviamente, bacharel” (linhas 38-40).

b) DaMatta reconhece que esta é uma percepção bastante comum, mas dela discorda explicitamente. Nas palavras do próprio autor, a maior obediência às leis nos Estados Unidos, na França e na Inglaterra se deve ao fato de haver nesses países “uma simples e direta adequação entre a prática social e o mundo constitucional e jurídico” (linhas 31-32). Em outras palavras, para DaMatta, os cidadãos dessas nações obedecem mais às leis por verem com clareza que estas estão a serviço do bom funcionamento da sociedade .

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Questão 04 (valor: 2,0 pontos)

a) Em apenas um dos períodos abaixo, a conjunção se pode ser substituída pela conjunção condicional caso, sem alterar o sentido original do texto. Selecione o período em que isso ocorre e reescreva o trecho sublinhado, substituindo se por caso. Faça as adaptações necessárias.

Período 1: Como procedemos diante da norma geral, se fomos criados numa casa onde, desde a mais tenra idade, aprendemos que há sempre um modo de satisfazer nossas vontades e desejos, mesmo que isso vá de encontro às normas do bom senso e da coletividade em geral? (linhas 3-6)

Período 2:Claro está que um dos resultados dessa confiança é uma aplicação segura da lei que, por ser norma universal, não pode pactuar com o privilégio ou a lei privada, aquela norma que se aplica diferencialmente se o crime ou a falta foi cometida por pessoas diferencialmente situadas na escala social. (linhas 35-38)

b) A construção abaixo é ambígua. Reescreva-a de forma a eliminar a ambigüidade, escolhendo uma de suas leituras possíveis.

O deputado que tinha alegado imunidade parlamentar na semana passada foi preso.

   
Respostas: (Outras respostas poderão ser aceitas, desde que atendam às especificações dos enunciados)
a) Período 2: [...] caso o crime ou a falta tenha sido cometida por pessoas diferencialmente situadas na escala social. .

b) Exemplos de respostas possíveis:

-> O deputado que na semana passada tinha alegado imunidade parlamentar foi preso.

-> O deputado que tinha alegado imunidade parlamentar foi preso na semana passada .


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Texto 3:

1
A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a
tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, cousas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas
que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a
tua fé, cousas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é
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cair no absurdo e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem
vender uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos,
partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem? Demonstrando assim
o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois,
mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o
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que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente.
 


[Fragmento do conto “A Igreja do Diabo”, de Machado de Assis]

 

Questão 05 (valor: 2,0 pontos)

a) Explique o argumento de que se vale o Diabo na defesa que faz da venalidade.

b) A que se refere o pronome oblíquo na frase Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório (linhas 4-5)?

Respostas: (Outras respostas poderão ser aceitas, desde que atendam às especificações dos enunciados)

a) No texto de Machado de Assis, caracteristicamente irônico, o argumento apresentado pelo Diabo é que tudo aquilo que pertence ao indivíduo pode ser vendido. Seria, segundo ele, contraditório considerar que apenas os bens materiais são passíveis de venda; de acordo com o Diabo, nada pertenceria mais ao indivíduo do que a própria consciência.

b) O pronome oblíquo refere-se ao direito à venalidade.


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