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Exposição
"A Escrita do Silêncio - Lena Bergstein"

Abertura:
13 de julho de 2004 às 19h
Período:
14 de julho a 06 de agosto de 2004
Horário:
Segunda a sexta-feira de 10h às 17:30h

Solar Grandjean de Montigny
Museu Universitário
Rua Marquês de São Vicente, 225 - Gávea | RJ
Telefone: 21 3527-1435
Tel/fax: 21 3527-1434
e-mail: solargm@puc-rio.br
www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/solar

Entrada Franca

Verso do Convite da exposição

 

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           A Escrita do Silêncio é o nome que batiza a exposição de Lena Bergstein no Solar Grandjean de Montigny, PUC-Rio, apresentando mais de 20 trabalhos de pequeno e grande formato,utilizando técnicas diversas, como costuras a mão e a máquina, pespontos, alinhavos, uso de papéis japoneses colados e costurados sobre a tela.

           Essa exposição, a primeira este ano no Rio de Janeiro, dá continuidade ao trabalho atual de Lena Bergstein, poética fundada numa arquitetura da memória, topografia de traços e tramas, tessitura de fios e de nós __ uma cartografia de formas silenciosas e de detalhes ínfimos. Para a artista, uma escrita, uma escrita de costuras, de pequenos traços, de pontos, de nós, de cerzidos, de alinhavos, de pontos em ziguezague. Escritas silenciosas, quietas, um espaço potencial, espaço de devir. Foto do Trabalho de Lena  Bergestein

           As palavras e textos, agora ausentes, sempre foram elementos presentes na obra de Lena Bergstein, que viveu uma temporada em Paris. Desde 1989, a artista vem se debruçando sobre escritos do filósofo francês Jacques Derrida, fazendo leituras poéticas e plásticas de seu pensamento. Essa relação ficou evidente na instalação Tenda, montada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1992.

           Em 1998, Lena Bergstein cria um livro em parceria com Jacques Derrida, que lhe ofereceu o texto Forcener le Subjectile, o que deu origem a Enlouquecer o Subjéctil, com o qual ganhou o prêmio Jabuti de melhor produção editorial de 1999. Foto do Trabalho de Lena  Bergestein

           A ligação texto-imagem impressa na arte de Lena Bergstein começa a desaparecer em sua volta ao Brasil, no final dos anos 90. No lugar das palavras, os espaços vazios e áreas brancas vão ganhando lugar em suas telas. Depois começam a aparecer as costuras como textos silenciosos, quietos, mudos, tecidos do avesso. Uma grafia de palavras invisíveis, grafitti ilegível.

Curriculum Vitae - Lena Bergestein

           Lena Bergstein nasceu no Rio de Janeiro e cursou o Instituto de Belas Artes (hoje Escola de Artes Visuais) e o atelier de Gravura do Museu de Arte Moderna do Rio.
           Participou das mais importantes bienais de gravura nacionais e internacionais, como Curitiba, Ljubljana, Miami, Fredrikstad, Bradford, Taiwan.
           Expôs gravuras e pinturas na Petite Galerie, pinturas na galeria Cândido Mendes, montou a instalação Tenda no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Expôs pinturas e os originais do livro Enlouquecer o Subjétil no Paço Imperial.
            Expôs ainda na Galeria Segno Grafico (Itália), Centro Internazionale di Grafica (Itália), Biblioteca Wittockiana (Bélgica), e Galeria Debret (Paris).
           Morou dois anos em Paris, onde participou dos seminários de Jacques Derrida: "Questions de Responsabilité: Du secret au témoignage" e "Hospitalité et Hostilité".
           Ganhou o Prêmio Jabuti pela melhor produção editorial de 1999 com o livro Enlouquecer o Subjétil, criado em parceria com Jacques Derrida.
           Apresentou, em janeiro de 2003, Tramas, exposição de pinturas na Sílvia Cintra Galeria de Arte, e Amarelo Cromo, exposição de gravuras, no Museu da Chácara do Céu.
Convite da Exposição


A Escrita do Silêncio

           Muitas coisas se passaram nesses últimos anos e meu trabalho foi gradualmente mudando. Reparei que as escritas de letras e palavras que impregnavam o trabalho foram se tornando mais espaçadas, mais esgarçadas, e foram pouco a pouco desaparecendo, dando lugar a uma outra escrita, bem diferente, mas que já aparecia pontualmente em desenhos e telas anteriores. Eram costuras, primeiro à mão, depois à máquina, à mão e a máquina, uma tessitura de pontos, linhas, nós, cerzidos, alinhavos, pespontos, pontos em ziguezague.

           Se a escrita fonética de textos e palavras me parecia agora excessiva, barulhenta, as costuras a substituíam por um certo silêncio, uma pausa, um vazio povoado de possibilidades."Este é um livro silencioso, e fala, fala baixo", escreve Clarice Lispector, ou ainda como diz Rabi Nahman de Bratislav, numa de suas parábolas, "ele tocava um violino mudo___ ou quase, pois o rei acabou por captar uma nota extremamente delicada".

           O único ruído que se ouvia era o toque toque toque, da máquina costurando, os ritmos cadenciados do costurar, do cerzir, do levantar a sapatilha que, por sua vez, levantava a agulha e a linha principal, o retrós, do virar o tecido mudando o rumo da costura. Às vezes era necessário enrolar outra vez a linha da carretilha, ou bobina, que ficava embaixo do retrós. O ruído da carretilha enrolando a linha a toda velocidade e depois recolocá-la numa espécie de caixinha, fechar a tampa, abaixar a sapatilha, descer a agulha e a linha e outra vez toque toque toque.

           Apesar de não se chamar retrós ou linha mestra, era a linha mais fina da carretilha (ou bobina) que dava solidez e consistência à costura. Mesmo que só aparecesse inteiramente no avesso do tecido, era ela que estruturava a costura e que a prendia ao tecido, arrematando-a.

           A busca de uma extrema simplicidade, um quase nada trabalhado que desse a impressão de um se despir, era a trajetória que o trabalho tomava. E eu o seguia.

           Através dessas linhas trançadas e costuradas, uma outra questão foi de repente vislumbrada. No texto Un Ver à Soie ,de Jacques Derrida, do livro Voiles, me fascina a frase " une femme tisserait comme um corps secrète pour soi son propre textile". Comecei a pensar que a partir das linhas costuradas estaria tecendo uma tessitura, uma veste, um xale, o meu próprio, o meu xale.

           Esse xale seria de um tecido da Babilônia, do linho mais puro, bordado de jacintos, de anêmonas violetas, de escarlate e de púrpura, das flores silvestres que traziam o índigo. Seria têxtil, táctil, "doçura mais doce que a própria doçura", uma outra pele, incomparável a qualquer outra pele. Ele não velaria nem esconderia, não mostraria nem anunciaria___ ao contrário, ele traria a memória.

           Meu xale, todo singular, sensível e calmo, que ia se criando a partir do meu trabalho, uma manufatura de telas, um entrelaçar de fios e fibras...

            A leitura do texto Un ver à soie foi da ordem de um acaso, de um encontro que estimula e provoca, que vem se acrescentar a uma elaboração já em andamento abrindo novas nuances de horizontes possíveis. Ampliou minha relação com as tramas, as urdiduras, a tecelagem, fios torcidos e retorcidos, trançados, tecidos sucessivos e infinitos.

           O que também ecoou dentro de mim, e "que se joga no tecido desse texto", é sua relação com o fazer da arte, com a criação, ao mesmo tempo com a subjetividade do artista. Constante e lenta elaboração, no diminuir e aumentar os pontos de uma trama, no fazer e desfazer das malhas. Transformação incessante e permanente, pela qual as coisas se criam e se dissolvem em outras coisas, algo que não é, mas se torna, que existe em constante alteração. Um se perder e se reencontrar, nascimento contínuo, que conduz a arte através da noite, mais longe que o visível ou o previsível, experiência muda de um sentido mudo.

Lena Bergstein


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