Sedutores e mortais
Dra. Margareth Dalcolmo vem à PUC-Rio alertar para os graves riscos dos cigarros eletrônicos e vapes
Assessoria de Comunicação da Reitoria
Ela foi uma das principais vozes do combate e prevenção à Covid-19 durante a pandemia, notabilizando-se por mais de 500 inserções em emissoras de TV, rádio e jornais entre 2020 e 2022. Foi a quinta mulher a se tornar membro titular da Academia Nacional de Medicina. Hoje, entre outras lutas, a Dra. Margareth Dalcolmo empenha-se em chamar atenção para os riscos das doenças crônicas e mortes provocadas pela distribuição e uso ilegais dos cigarros eletrônicos e vapes, cuja grande disseminação se dá, sobretudo, entre jovens de classes média e alta.
Presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, pesquisadora-sênior da Fiocruz, e professora do programa de pós-graduação em Medicina da PUC-Rio, Dalcolmo veio à universidade ministrar palestra sobre os riscos dos cigarros eletrônicos no dia 17 de setembro, a convite do Departamento de Química. O encontro foi iniciativa do Projeto Vapes, colaboração entre o Departamento de Química da PUC-Rio e o BioBD, liderada pela professora Adriana Gioda. A pesquisa desenvolvida é considerada pioneira e fundamental para entender as tendências de consumo e suas implicações, fornecendo a base científica necessária para ações efetivas de conscientização e combate.
O Reitor da PUC-Rio, pe. Anderson Antonio Pedroso, S.J., deu as boas-vindas à Dra. Margareth Dalcolmo e aos presentes, ressaltando o legado da pesquisadora e sua ativa participação nos assuntos da Universidade, ampliada, agora, pela recente nomeação como membro do Conselho de Desenvolvimento.
Dra. Margareth Dalcolmo e Pe. Anderson Pedroso, Reitor da PUC-Rio
Adriana Gioda fez uma breve apresentação da convidada, remetendo sua presença a uma iniciativa surgida na Química, em 2017, quando foi procurada por sua colega Gisele Birman Tonietto, preocupada com o tema dos cigarros eletrônicos:
– Não se sabia ao certo o que eram. Fizemos um seminário naquele ano e outro em 2019, para tentar conhecê-los um pouco melhor. Trouxemos vários pesquisadores da Fiocruz e de outras universidades para conversar. A partir disso, desenvolvemos interesse pela pesquisa, de forma a desvendar a composição química e toxicológica desses cigarros. Fomos atrás de amostras e firmamos uma parceria com a Anvisa para importar esses cigarros eletrônicos. Entretanto, como aqui são proibidos, nem com o apoio da Anvisa conseguimos importá-los. Recentemente, apenas, conseguimos uma parceria com a Agência de Vigilância Sanitária da cidade do Rio de Janeiro para recebermos amostras apreendidas e destiná-las à análise. Como demorou muito tempo para que isso acontecesse, focamos nossas análises nas matérias-primas que compõem o cigarro eletrônico, vendidas regularmente e de forma legal no Brasil. E elas são usadas por muitas pessoas para fazer o seu próprio líquido – relatou a pesquisadora.
A ideia era avaliar se os componentes, em separado, tinham toxicidade e a resposta foi positiva. No momento, o estudo aguarda publicação, a partir da qual será feita uma divulgação maior.
– Nesse período, também elaboramos um questionário para avaliar o perfil dos usuários dos cigarros eletrônicos. Estamos distribuindo o questionário para todos que conhecemos, mas vamos focar nos usuários que estão na PUC-Rio, buscando conhecer seus perfis. O que sabemos é que as pessoas não se dão conta de duas coisas: de que os cigarros eletrônicos e vapes são proibidos no Brasil e de que causam danos.
A Dra. Margareth Dalcolmo iniciou sua fala reconhecendo os esforços e o pioneirismo do Departamento de Química da PUC-Rio no tocante aos cigarros eletrônicos e reiterando o que disse na grande mídia tempos atrás: “os cigarros eletrônicos são uma criação diabólica do homem”.
– E é isso mesmo. O tabaco existe há muito tempo, é algo milenar, mas a indústria do tabaco só tem um único objetivo, que é ganhar dinheiro – sentenciou.
Dalcolmo fez uma retrospectiva do uso do cigarro no mundo, assinalando como Hollywood e a mídia em geral estimularam o consumo atribuindo aos fumantes um caráter atraente e desejável. Isto, até o momento em que os médicos começaram a observar um aumento significativo dos casos de câncer de pulmão, em especial nas mulheres:
– Só que o mundo não começou a ficar em alerta pelo bem, mas sim porque tratar as consequências do cigarro custa muito caro. Não pensem que os Estados Unidos, que foram os primeiros a introduzir restrições – juntamente com o Brasil, 30 anos atrás –, o fizeram por questões humanitárias. Absolutamente. É porque na balança, na matemática, era muito alto o que se gastava para tratar doenças pulmonares obstrutivas crônicas, que nós chamamos de DPOC, e que, mais comumente, são conhecidas como enfisema pulmonar. Todos têm um tio, um avô, eventualmente até um pai com enfisema pulmonar. Muitos até morreram disso. O mundo passou a perceber que custava mais caro tratar as doenças decorrentes do que tomar medidas restritivas.
Segundo a pneumologista, assim como ocorreu com o uso do amianto em caixas d´água e telhas, as pessoas desconheciam os males dos cigarros, por isso a conscientização feita pelas campanhas nos EUA e, mais ainda, no Brasil, foram muito bem-sucedidas.
– Estamos em um ambiente universitário, onde prezamos pelo conhecimento. Tendo conhecimento, é possível escolher o que utilizar. Só que hoje, o que nós estamos vendo com os cigarros eletrônicos é algo diabólico mesmo, porque a indústria foi muito esperta, muito inteligente e muito maliciosa criando um produto atrativo e glamouroso, com cores, cheiros e formatos variáveis, alguns minis, alguns até com formas de batom ou eróticas. Cada vez mais substâncias desconhecidas foram colocadas para tornar os atributos dos vapes diferentes dos do cigarro convencional. A publicação da PUC-Rio será de grande impacto para todos nós, pois mostrará parte do que esses dispositivos eletrônicos de tabaco aquecido trazem – salientou.
Dalcolmo informou que as classes mais acometidas pelos vapes são a média e a alta, que têm acesso financeiro ao produto – desde jovens do ensino fundamental até idades mais avançadas – em contraposição às classes mais baixas, que ainda padecem dos males do consumo dos cigarros convencionais e de doenças como a tuberculose.
– Então, eu estou aqui discutindo e esclarecendo o mau negócio que os fumantes de cigarros eletrônicos, sobretudo os jovens, estão fazendo. O que nós estamos vendo é muito ruim. O último paciente que eu vi foi ontem, um rapaz de 22 anos, com poucos sintomas ainda, mas já vi jovens de 21 anos em condições muito graves. Eles vêm a nós, pneumologistas, porque a tosse vai ficando chata. A concentração de nicotina desses cigarros é mais de 100 vezes superior à de um cigarro convencional. Estou tratando de uma menina de 16 anos, que fuma o equivalente a 400 cigarros por semana, dada a concentração de nicotina. E por que as pessoas não se dão conta? Porque tem uma fumacinha com flavorizante, odorizante, tem gosto de morango tem um cheirinho. Dá para fumar no banheiro sem ninguém saber, criando riscos até de explosão de aviões pelo fumo nos banheiros, já que os detectores só captam monóxido de carbono – lamentou.
Ainda que possam ser encontrados até nas portas das escolas, Dalcolmo informou que a Polícia Federal detém uma enorme quantidade de cigarros eletrônicos aprendidos. Eles estão proibidos no País desde 2009. A normatização, criada e estabelecida pela Anvisa naquele ano, foi submetida a uma consulta pública, no final de 2023, e a uma nova reunião da diretoria colegiada da Anvisa, com pareceres robustos.
– Nós, pela Sociedade Brasileira de Pneumologia, participamos ativamente desse processo. Enviamos parecer feito por especialistas, um parecer grande, de 50 páginas, muito bem documentado. Eu participei de todas as reuniões on-line da diretoria colegiada da ANVISA. Acho que a nossa agência regulatória nos deu grande orgulho. Primeiro, pelo pioneirismo de ter estabelecido a normativa. Segundo, pelo processo democrático de ter aberto uma consulta pública em 2023. Terceiro, por fazer todas as suas reuniões abertas, com a participação da opinião pública, ou seja, todos que se interessaram pelo assunto puderam participar e ouvir. Por outro lado, pudemos assistir a depoimentos de pessoas seduzidas pela indústria, que não só é muito eficiente, mas também muito poderosa, tendo sido capaz de criar um Projeto de Lei que tramita no Senado Brasileiro, contra o qual estamos lutando. Recentemente, obtive o apoio do presidente do Senado, o senador Rodrigo Pacheco, para banir o fumo de cigarros eletrônicos no Congresso. No mês passado, ele nos deu a oportunidade de abrirmos o congresso de câncer do pulmão na Casa – relatou a cientista.
A professora Margareth Dalcolmo acrescentou que a poluição resultante das queimadas vem agravando ainda mais os quadros respiratórios nos adeptos dos vapes, em todo o Brasil, alertando também para o risco altíssimo do uso dos narguilés, altamente tóxicos e cancerígenos. A população masculina do Oriente Médio, em sua maioria, vem sendo acometida por doenças pulmonares resultantes do uso do dispositivo, que começa a se disseminar em outras partes do mundo, inclusive no Brasil. Ao final, os participantes do encontro – professores, alunos, pesquisadores, médicos e especialistas da ANVISA – teceram seus questionamentos e comentários.
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