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Um jesuíta e um sonho de país

Fundado pelo padre, imortal e sociólogo, Fernando Bastos D´Avila, Departamento de Ciências Sociais celebra 70 anos com olhar para temas sensíveis da sociedade e formação de excelência

Data de publicação: 17/12/2024
Texto: Renata Ratton
Assessoria de Comunicação da Reitoria

O Departamento de Ciências Sociais celebrou seus 70 anos em grande estilo. De 11 a 13 de novembro, o seminário Os Desafios da Democracia Contemporânea trouxe reflexões sobre os obstáculos e as possibilidades do avanço democrático, e debates sobre temas sensíveis, que envolveram antropólogos, cientistas políticos e sociólogos de diferentes universidades brasileiras e do exterior.

Um seminário que pensou um futuro que nunca teve tanto passado, inclusive em homenagens: a abertura dedicou mesa especial ao fundador do Departamento de Ciências Sociais, o sociólogo e padre Fernando Bastos D´Ávila, S.J., com o relançamento, pela Editora PUC-Rio, de sua obra Solidarismo e a exibição de filme inédito sobre a história do Departamento ao longo desses 70 Anos.

De acordo com o Reitor da PUC-Rio, Pe. Anderson Antonio Pedroso, S.J. – que participou da mesa de abertura junto ao escritor Domício Proença Filho, imortal da ABL, ao presidente da seção carioca da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas (ADCE), Alberto Gallo, e pelos professores do Departamento de Ciências Sociais Maria Alice Rezende de Carvalho e Ricardo Ismael –, a obra revisitada alinha-se ao “necessário resgate do legado intelectual da esquerda católica. Para o Reitor, em tempos de pobreza extrema, a Igreja e a Universidade têm o dever de olhar para o mundo e propor soluções:

– Padre Ávila desempenhou um papel fundamental no aprofundamento do pensamento social da Companhia de Jesus, que tem uma importância muito grande na história do Brasil. A ordem dos jesuítas caminhou junto com os desafios do século XX e participou de uma grande renovação da Igreja, levando o Concílio Vaticano II a um embasamento teológico profundo. É uma ordem histórica, que não tem medo da História, e de fazer História – destacou padre Anderson, na cerimônia.

Para o Diretor do Departamento de Ciências Sociais, professor Marcelo Burgos, a nova edição de Solidarismo recupera uma vertente importante da sociologia e do pensamento reformista da Igreja Católica, que dialoga diretamente com questões centrais das ciências sociais, reforçando a relevância da solidariedade e da ação coletiva frente à atual e desafiadora conjuntura social e política.

O seminário abordou a democracia a partir de três recortes. O primeiro tratou da relação intrínseca entre a história da afirmação das três áreas de conhecimento que constituem as ciências sociais (antropologia, ciência política e sociologia) e os temas e desafios inerentes à defesa e ao aprofundamento da democracia no Brasil; o segundo recorte abordou a compreensão de que a democracia é um processo vivo, sobretudo em uma sociedade desigual, diversa e vibrante como a brasileira, e que exige um permanente monitoramento; e o terceiro eixo disse respeito aos desafios globais da democracia, envolvendo, entre outros temas, as transformações digitais e seus impactos, e a questão climática e suas formas de injustiça ambiental.

Sobre a história do Departamento, Marcelo Burgos acredita que pode ser decomposta em, pelo menos, quatro momentos, cada qual com sua relevância para a área das ciências sociais, para o país e para o Rio de Janeiro, em especial.

– Em sua primeira década, muito marcada pela liderança do Pe. Ávila, notabilizou-se ao criar um espaço universitário preocupado com uma visão transdisciplinar e com o foco na pesquisa. Temas como a imigração, pobreza e desigualdades urbanas ganharam centralidade, estabelecendo uma espécie de DNA no Departamento, de compromisso com essas questões – esclarece o diretor.

De acordo com o Burgos, nos 15 anos seguintes à sua fundação, sob o impacto do golpe militar e, logo após, do AI-5, o Departamento tornou-se um destino quase exclusivo de jovens que queriam se formar em ciências sociais, mas não se sentiam encorajados a ingressar nas universidades públicas da cidade. Por conta de seu caráter comunitário, e por uma política hábil conduzida por sua reitoria, a PUC conseguiu preservar, minimamente, seus professores e alunos do assédio mais direto do regime militar, ainda que muitos problemas tenham ocorrido no período. Com isso, entre 1965 e 1980, o Departamento se afirmou como um celeiro de formação de jovens cientistas sociais que mais tarde seriam de grande relevância para as áreas da antropologia, sociologia e ciência política.

– Foram realmente muitos e, por isso, cito apenas alguns de seus alunos: Glaucio Dilon Soares, Afranio Garcia, Ligia Sigaud, Lícia Valladares, Luis Antonio Machado, João Pacheco, Sergio Miceli, Eduardo Viveiros de Castro, Maria Laís Pereira da Silva, Lucia Lippi, Regina Morel, Luis Antonio Cunha, Marielle Franco... Entre os professores, Lélia Gonzalez, Luiz Werneck Vianna e Roberto Da Matta, entre muitos outros de grande relevância para o debate público – enumera.

 

Veja o vídeo na íntegra

 

Já na década posterior, no contexto de redemocratização, as Ciências Sociais da PUC-Rio participaram ativamente do processo de emancipação feminina, que teve entre seus maiores destaques a criação do Núcleo de Estudos da Mulher. De forma pioneira, o núcleo representou um espaço universitário de pesquisa e reflexão sobre as questões ligadas aos direitos das mulheres. O departamento chegou, inclusive, a ser dirigido pela professora Lélia Gonzalez, intelectual e ícone do ativismo e do debate das questões de gênero, raça e classe, que veio a falecer no cargo em 1994. De acordo com Marcelo Burgos, essa lembrança também remete ao fato de o departamento ser considerado até hoje um lugar importante para o debate dessas questões, sobretudo pelo trabalho desenvolvido nas décadas seguintes por antropólogas como Sonia Giacomini.

O quarto período da história das Ciências Sociais na PUC-Rio remete aos anos 2000. Nesse ponto, o diretor ressalta dois processos: o primeiro tem a ver com o fato de o departamento, em um processo que vivifica as suas origens,  ter sido cada vez mais procurado por estudantes egressos de favelas e periferias, encorajados a ingressar na PUC por conta do esforço institucional de apoio a pré-vestibulares comunitários, e da política afirmativa promovida pela universidade, que garantia bolsas a esse público; e o segundo processo com a construção do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – o mestrado, em 2005, e o doutorado, em 2008.

– Os jovens de baixa renda, boa parte deles negros e moradores de favelas começaram a procurar o Departamento, dada a sua longeva tradição de estudos nessa área. Data dessa época, por exemplo, a primeira grande pesquisa sobre Rio das Pedras, que. envolvendo cerca de 20 estudantes e vários professores, durante três anos de estudo, resultou no livro Rio das Pedras, uma favela carioca, publicado pela Editora PUC em 2002, mesmo período do ingresso de alunas como Marielle Franco, formada em 2006. Por outro lado, com o PPGCIS, o Departamento ingressou em uma etapa de amadurecimento acadêmico, abrigando vários núcleos de pesquisa em diferentes áreas das ciências sociais, e abarcando temas como elites políticas, federalismo, políticas públicas, cidade e questão urbana, movimentos sociais, estudos sobre gênero e sexualidade, entre outros.

O Seminário foi encerrado com a conferência do antropólogo estadunidense James Holston, diretor do Social Apps Lab, da Universidade da California, Berkeley. Holston é muito conhecido no Brasil por causa de seu livro, Cidadania Insurgente, que articula formas inovadoras de construção de cidadania e democracia no país a partir das periferias de nossas regiões metropolitanas.

 

Sobre Fernando Bastos D´Ávila

Por Marcelo Burgos
Diretor do Departamento de Ciências Sociais

Padre Ávila chegou ao Brasil em 1954, com doutorado obtido na Universidade de Louvain, em Ciências Sociais. Sua tese de doutorado tratava do tema da imigração, e foi traduzida em diferentes idiomas, além do francês, com o qual foi redigida.

Ao chegar à PUC, no mesmo ano, tomou a iniciativa de criar um departamento de sociologia que funcionasse como um abrigo institucional para a realização de formação profissional com forte ênfase em pesquisa, e que permitisse pensar um país que vivia então um processo de modernização acelerada e que precisava se conhecer melhor para se repensar, em especial na sua expressão urbana, marcada por novas formas de pobreza, do que era testemunho o próprio entorno da PUC, já rodeado de favelas.

Padre Ávila liderou, em seguida, o movimento solidarista, que articulava a proposição de uma reforma ético moral, baseada em uma nova doutrina social cristã. Esse movimento está associado ao seminal Neocapitalismo, Socialismo e Solidarismo, que publicou em 1963 (mais tarde reeditado e intitulado Solidarismo), um livro que mobilizou o que havia de mais avançado nas ciências sociais brasileiras da época, a serviço de uma sociologia aplicada à reforma. Ávila se notabilizou, então, como um sociólogo público, com grande presença na vida intelectual do Rio de Janeiro e do país, sempre promovendo uma fértil interlocução com a Igreja católica. Por sua posição singular, em 1986, integrou, com grande relevância, a Comissão Afonso Arinos, responsável pelo anteprojeto da Constituição de 1988, tendo sido também membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro desde 1995, e da Academia Brasileira de Letras desde 1997.

Padre Ávila foi um homem com grande energia institucional e, por isso, contribuiu para fundação da Associação de Dirigentes de Empresas Cristãs – ADCE, e já no contexto da ditadura militar, também fundou e dirigiu o IBRADES – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento, consolidado em 1971, a partir de convênio com a CNBB. Entretanto, acredito que, considerando sua importância, o Departamento de Ciências Sociais da PUC, à época denominado Escola de Sociologia e Política, ocupe um lugar central em sua biografia, pois é impossível falar das Ciências Sociais no Brasil sem falar desse departamento que, ainda hoje, demarca um lugar muito específico para as ciências sociais brasileiras, sempre comprometido com a produção de conhecimento sobre a nossa realidade e voltado para o reformismo social com vistas à construção de uma sociedade mais justa. Não foi por acaso que, no primeiro número da Revista Desigualdade & Diversidade, do PPGCIS, publicado em 2007, realizamos uma entrevista com nosso fundador, pouco tempo antes de sua morte.

 

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