Programação
Veja o que aconteceu

Sonho Comunitário: Organizando a esperança
"Construindo pontes: Coordenação Comunitária Intercontinental para o Desenvolvimento Sustentável"
Em sonho comunitário, PUC-Rio abre congresso da Rede de Universidades para o Congresso da Casa Comum em celebração aos 10 anos a Laudato si´ e rumo à COP 30
Texto: Renata Ratton
Assessora de Comunicação Institucional
Na manhã do dia 20, a PUC-Rio abriu mais um portal de conexão entre a Amazônia e o planeta, e entre o planeta e seu futuro, como sede do congresso internacional da Rede de Universidades para o Cuidado da Casa Comum (RUC). O encontro recebe 200 reitores, que levarão adiante o legado deixado pelo papa Francisco, há 10 anos, através da encíclica ‘Laudato si´’, agora retomado pelo papa Leão XIV como um chamado a organizar a esperança em favor da justiça ecológica, social e ambiental.
Em mensagem especialmente gravada e enviada para a abertura do Congresso da PUC-Rio – repercutida no site “Vatican News” e na mídia nacional – Leão XIV defendeu a remissão das dívidas dos países vulnerabilizados e abençoou os participantes para que seguissem firmes na construção de pontes de esperança neste ano jubilar. Uma esperança que se traduzirá em ações concretas e em recomendações e diretrizes para a Conferência das Nações Unidas para a Mudança do Clima, a COP3O.
Na mesa de abertura, o secretário-executivo da RUC, Francisco Piñon, destacou a força e a intensidade com que o Francisco convidou, não apenas os católicos, mas todas as mulheres e homens do planeta a trabalhar para mudar o rumo do desenvolvimento global: “Quando estivemos com Francisco, no Encontro Sinodal de 2023, ele nos informou que publicaria, no mês seguinte, a ‘Laudato Deum’ (Exortação Apostólica a todas as pessoas de boa vontade sobre a crise climática), a fim de mostrar que ainda não tínhamos desenvolvido uma consciência suficientemente forte sobre a situação do planeta”.
Estruturado para acolher o método sinodal, o congresso da RUC terá duração de 4 dias, cada um deles inspirado em um dos sonhos revelados por Francisco na Exortação Apostólica “Querida Amazônia”. Inspirado pelas palavras do papa no encontro de 2023, o reitor da PUC-Rio, Pe. Anderson Antonio Pedroso, SJ, deu as boas-vindas mencionando que a Universidade tem um campus único, que favorece o encontro de saberes, e, ao mesmo tempo, se compromete com o entorno: “Para nós, é um compromisso, a instituição não pode estar fechada em si mesma, precisa estar aberta à sociedade. Além disso, precisa ter um impacto local e global, por isso criamos o metaprojeto Amazonizar”, declarou, explicando o conceito e o método de “Amazonizar-se” aos participantes. Ao valorizar o sentido de comunidade, o reitor salientou que, diferentemente de um clube, uma comunidade não é uma simples reunião de pessoas nem uma junção de forças; muito menos, a soma de egos:
“Ao contrário, a comunidade é subtração e só nasce do espaço de renúncia de cada um quando se torna um pouco menos autocentrado, quando retira algo do “eu” e abre espaço para o “nós”. Pode parecer desconcertante, mas fazer surgir uma comunidade não se trata de juntar as melhores qualidades de cada um, pois os limites são importantes e nos fazem entender que dependemos uns dos outros, nos tornam mais humanos e abertos à colaboração mútua”, observou. Também expressou gratidão pelo encontro elogiando a oportunidade de se vivenciar, nestes dias, a experiência da comunhão, e de se pensar os sonhos da ecologia integral no exercício da escuta, do discernimento e do desapego das convicções individuais e em benefício da coletividade.”
Em vídeo gravado, o Grão-chanceler da PUC-Rio, Dom Orani Tempesta, O. Cist, acolheu os membros do encontro expressando seu apoio e proximidade espiritual com os que se reúnem na Universidade para dialogar e sonhar caminhos novos em defesa da Casa Comum.
“É a Igreja empenhada em ser presença nesse mundo que tanto necessita de valores e de responsabilidades diante do planeta... Em torno do tema Dívida Ecológica e Justiça Ambiental, o congresso é fruto de colaborações entre a RUC, a Pontifícia Comissão para a América Latina, o CELAM, a AUSJAL, o Dicastério para a Cultura e Educação, além de diversos organismos e pessoas comprometidas com a missão de educar e transformar”, observou o Arcebispo do Rio de Janeiro.
Também por vídeo, o cardeal José Tolentino de Mendonça, prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, na Cúria Romana, enfatizou que um dos grandes fatores de transformação de mentalidade que a Laudato si’ tem oferecido ao mundo é a consciência de que ninguém está só.
“Precisamos uns dos outros, tudo está interconexo e precisamos enfrentar, ao mesmo tempo, os desafios da Casa Comum e os desafios da fraternidade. Em vista da COP30 e nesse caminho jubilar de construção de pontes, como diz o Papa Leão XIV, somente juntos é que poderemos, verdadeiramente, fazer das nossas universidades e das nossas redes universitárias, laboratórios de comunhão e de futuro”, declarou Tolentino.
Para a presidente da RUC, Agustina Rodríguez, o congresso, desta vez, tem uma dimensão mais profunda como homenagem coletiva, agradecida e esperançosa a quem foi e seguirá sendo um dos grandes líderes da atualidade, o papa Francisco. Ela pontuou que a “Laudato si´’ se preocupa em promover a interdisciplinaridade como o diálogo de saberes, chamando os professores a mudar de olhar, a quebrar a fragmentação do conhecimento, a formar profissionais éticos e capazes de ler o seu tempo, transformar seus territórios e construir o futuro com os outros:
“Em primeiro lugar, não há transformação socioambiental sem transformação educativa. Nas nossas universidades, temos esse compromisso com o papa Francisco, que assumimos de forma livre. Em segundo lugar, como disse Pe. Anderson Pedroso, está a importância da comunidade. A nossa rede tem uma característica muito singular, que é a heterogeneidade. Somos profundamente diversos, universidades públicas, privadas, confessionais, católicas, judias e laicas. A diversidade que nos habita é uma fortaleza”, sentenciou.
Em seguida à mesa de abertura, a conferência “Coordenação Comunitária Intercontinental para o Desenvolvimento Sustentável” abordou o Sonho Comunitário, com a presença do Pe. Román Pardo, decano de Teologia da Universidade de Salamanca e diretor da Comissão Caritativa e Social da Conferência Episcopal Espanhola, Román, e Jorge Calzoni, reitor da Universidade Nacional de Avellaneda, Argentina, e presidente da UDUALC, a União de Universidades da América Latina e do Caribe.
Para Pe. Román, o primeiro passo para organizar a esperança é uma comunidade organizada; e a comunidade que quer estar organizada precisa estar consciente de suas dificuldades. Citando o poeta francês Charles Péguy, alertou que a esperança é a mais fraca das três virtudes teológicas e, como comunidade universitária, é necessário que se tenha consciência da dificuldade de manter a esperança e o legado de Francisco:
“Precisamos olhar para o futuro com a esperança que nasce da confiança e do amor. a esperança nos ajudará a buscar novas estruturas, novas organizações, novos encaixes e novos desenvolvimentos para a universidade. A comunidade universitária não pode perder a razão e essa inteligência emocional com o bem, com o carinho, com a vontade.”
Para Calzoni, o maior desafio para a construção de uma rede universitária intercontinental é a integração – desde a questão linguística e cultural até a primazia do individualismo. Neste sentido, a ecologia integral, na visão de Francisco, não se resume à questão ambiental: ao contrário, se estende aos aspectos humanos, econômicos, sociais e educacionais. Ele reforçou que as universidades devem trabalhar com desenhos curriculares muito mais flexíveis, que permitam integrar conhecimentos que não sejam afins, mas diversos, para resolver problemas concretos das comunidades. Caso contrário, não cumprirão esse objetivo.
No início da tarde, em uma cerimônia repleta de emoção e simbolismo, um grupo de reitores plantou árvores relacionadas ao primeiro sonho de Francisco, o Sonho Comunitário, no jardim do Espaço Casa Comum da PUC-Rio. A experiência foi o ponto de partida para os trabalhos da tarde, na mesa-redonda “O caminho a seguir: do Rio a Belém”, na plenária dos grupos de trabalho e na conferência de encerramento “Construindo Pontes de Integração, Reconciliação e Fraternidade”.
Nessa última, Rita Gajate, reitora da Universidade de La Plata, na Argentina, e o cardeal Carlos Castillo, Arcebispo de Lima e membro da Pontifícia Academia pela Vida, relataram o que os inspirou nas atividades em grupo do dia. Gajate mencionou a frase que mais a marcou: “A crise não se resolve, ela se habita”, sugerindo uma mudança de perspectiva sobre como lidar com momentos difíceis; no lugar de ver a crise como algo a ser consertado ou eliminado rapidamente, aprender a viver com ela, a encontrar um lugar dentro dela, passando de uma postura de combate e negação à aceitação, ao aprendizado e à convivência. Já para o cardeal, o mais emocionante foi a preocupação das universidades em se inserir nos aspectos mais profundos da vida dos povos e na situação do mundo:
“O que ficou como uma ideia muito importante para mim, ao sair do meu grupo que está aqui presente, é que estamos diante do desafio de reinserir nossas universidades nos processos das sociedades, mas com uma característica muito específica que vem da vivência do papa Francisco: a forma de nos inserirmos nos movimentos invisíveis. E o que é um movimento invisível? A capacidade de os sofredores, os vulnerabilizados se amarrem à vida e não perderem a esperança.”
Fotos e vídeos do dia
Sonho Cultural: Biodiversidade
"O Cuidado da Casa Comum: biodiversidade e tecnologia"
Debates sobre cultura, tecnologia e biodiversidade marcam segundo dia do congresso da RUC
Texto: Renata Ratton
Assessora de Comunicação Institucional
Depois de um primeiro dia de emoções fortes, surpresas e encontros, mas também permeado por importantes discussões em torno dos desafios do Sonho Comunitário do Papa Francisco, em sua Exortação Apostólica “Querida Amazônia”, o segundo dia do congresso da Rede Universitária para o Cuidado da Casa Comum (RUC) trouxe o “Sonho Cultural: Biodiversidade”. Este sonho, particularmente em relação à Amazônia, se refere à importância de preservar e valorizar a rica diversidade cultural dos povos originários, em um desejo de proteger sua identidade, costumes, tradições e conhecimentos.
Na conferência de abertura “Biodiversidade e Tecnologia”,nas boas-vindas vieram da secretária da Pontifícia Comissão para a América Latina, Emilce Cuda, que frisou a importância de os participantes aproveitarem o encontro para se conhecerem mais profundamente, e reiterou a necessidade de se construir pontes entre universidades do norte ao sul do planeta. ‘Temos pessoas muito preparadas que vão fazer perguntas ou intervenções provocadoras, mas todos podem e devem participar e queremos que participem”, estimulou, acrescentando: “Saibam que o cardeal Prevost e o cardeal Tolentino impulsionaram tudo isso, e que agora Prevost nos apoia como Papa Leão XIV”.
No primeiro painel, Rafaela Diegoli, do Tecnológico de Monterrey, Maria Eugenia Garcia Moreno, da Universidad Mayor de San Andrés, da Bolívia, Esther Sánchez, da Universidad Nacional de Cuyo (UNCuyo), da Argentina, e Alejandro Guevara, da Universidade Iberoamericana (IBERO), do México, compartilharam experiências de formação e gestão.
Rafaela Diegoli compartilhou uma experiência do Tecnológico que, segundo ela, poderia ser valiosa por incorporar um aprendizado a partir de muitos erros e alguns acertos. O case dizia respeito à criação de um plano estratégico para a instituição, cobrindo de 2020 a 2025, que tinha o desenvolvimento sustentável como um dos grandes assuntos.
“Uma coisa que percebemos naquelas discussões é que não poderíamos falar em um único âmbito e nem sermos dependentes de um único ‘herói’. Desenvolvemos um programa que trabalhasse diversas dimensões, a partir do qual eram coordenadas todas as estratégias e iniciativas da universidade relacionadas ao desenvolvimento sustentável.
Para Diegoli, outro fato muito interessante foi perceber que, com o avanço na formação dos estudantes no tema da sustentabilidade, eles próprios passaram a questionar diversos aspectos da universidade, e foi preciso mudar toda a infraestrutura e promover novos programas e iniciativas. “Precisamos dar o exemplo, ensinar pelo exemplo. E precisamos trabalhar na incidência política e comunitária porque estratégia de desenvolvimento sustentável não é apenas aquilo que está acontecendo na nossa bolha do campus, mas também para fora. É como nós trabalhamos com a comunidade”, alertou.
Alejandro Guevara relembrou a frase de um jesuíta, missionário na Nicarágua, que palestrou no encontro internacional Rio 92: “Como universidades, não podemos formar profissionais de sucesso em sociedades fracassadas”. Para o professor, esse é o grande desafio das instituições que se inspiram nas mensagens da “Laudato si’”;
“De nada serve termos excelentes técnicos, se não seguirmos as recomendações do Papa Francisco, se não formos ‘sentipensantes’. Quando nos perguntam ‘qual o estado atual da Casa Comum, em termos de biodiversidade e em termos de tecnologia’, a notícia é muito lamentável. Até existe um novo termo, a ‘desfaunação do Antropoceno’; significa dizer que, nos últimos 30, 50 anos, mais de 60% da biodiversidade do planeta foi perdida”, lastimou. Segundo Guevara, pelo lado da tecnologia, como contraste, os saltos foram gigantescos:
“Isso nos obriga a refletir sobre a diferença entre a tecnologia da morte e a tecnologia para o cuidado da Casa CXomum. Uma das respostas é que, muitas vezes, aquilo que é bem-sucedido na aplicação de uma tecnologia em um determinado contexto, não é em outro. Como universidades, a pergunta é o que estamos fazendo em relação a isso – desenvolvemos boas tecnologias, mas o quanto acompanhamos as pessoas que vão aderir a elas, conhecê-las, adotá-las?”, provocou.
Maria Eugenia Moreno revelou estar trabalhando intensamente com enfoques tradicionais nos estudos em pesquisas em San Andrés: “Claro que existe o ensino tradicional, no entanto, nas diversas províncias e municípios afastados de La Paz, onde está nossa universidade, criamos programas que chamamos de “Operários Especialistas”, em que oferecemos formação universitária a pessoas que muitas vezes sequer foram a escola, mas trazem o conhecimento local e o saber ancestral”.
Segundo Moreno, a iniciativa tem fortalecido muito a universidade, pois também ajuda no da pesquisa científica que estão desenvolvendo nas diversas regiões de La paz – que compreende a região amazônica, a região dos Yungas (subtropical) e a região andina. “Na região amazônica, por exemplo, estamos realizando pesquisas com plantas medicinais. Só que estudar com os povos tradicionais é economizar mais de 20 anos de testes médicos”.
Esther Sánchez acredita que o desafio fundamental é pensar de forma sustentável para agir dessa maneira, o que necessariamente implica uma mudança cultural. “Nós, como universidade, temos um desafio imenso, mas também uma oportunidade. Na verdade, uma responsabilidade como formadores, começando pela necessidade de uma formação integral”, explicou. E prosseguiu:
“Somos responsáveis pela formação dos futuros líderes, os que vão acompanhar o processo do desenvolvimento humano. A mudança cultural precisa vir acompanhada de cada uma das funções substanciais das nossas universidades, não apenas a docência, mas os cursos de extensão, a pesquisa, o vínculo: a extensão, como foi dito, não apenas no campus, mas fora dele, o que é uma decisão política. Vendo tantos reitores e reitoras, digo que é importante termos presente que é uma decisão política; se realmente queremos gerar essa mudança cultural, precisamos trabalhar com muita intensidade porque é uma transformação lenta e longa, mas que exige trabalhar diariamente cada uma das ações sustentáveis.”
No segundo painel do dia, Walter Panesse, da Universidade de Luján, Argentina, Peter Rožič, da Oxford University, Reino Unido, e Alberto Molina, da Universidad de Buenos Aires, Argentina, discutiram o papel da tecnologia na proteção da biodiversidade.
Walter Panesse trouxe o exemplo dos drones que capturam sons da floresta para, em seguida, a inteligência artificial identificar os animais que estavam ou não presentes no bioma como um uso extremamente positivo do uso da tecnologia. Uma IA que é útil e poderosa, mas que também apresenta inúmeros desafios.
“Na última eleição ocorrida na capital do nosso país, foi divulgado um vídeo que trazia uma deepfake muito bem construída do ex-presidente. Claro, o ex-presidente tem muitas imagens, então foi muito fácil construir esse vídeo. Por outro lado, é também muito difícil distinguir o que é real e o que é falso. E cada vez essa questão é mais complexa. E me parece que isso está sendo usado de maneira nociva. O que o sistema faz é dar uma resposta que estatisticamente será escolhida como válida, mas a questão é conseguirmos discernir e trabalhar sobre essas questões; me parece que como ferramenta é muito boa para poder reduzir o trabalho, mas a realidade é uma coisa muito necessária, mas o desafio tem a ver com a ética sobre a inteligência artificial e sobre como a utilizaremos.
O jesuíta Peter Rožič iniciou sua fala com uma provocação: “O que é que mais mata a floresta tropical? A floresta da Amazônia?” As vacas”, foi a resposta. Segundo ele, sim, 90% da responsabilidade do extermínio da Amazônia está na conta da criação de gado. O restante vai para soja, mineração...
“Nós jogamos fora entre 10% e 40% da carne que produzimos. Matamos a floresta, a biodiversidade e grande parte do alimento produzido é desperdiçada. É isso que o Papa Francisco critica como paradigma tecnológico, que nos mata porque, em nome do progresso, em nome de algum aspecto falso da soberania alimentar, achamos que temos que produzir carne demais. Não é só isso: Francisco fala também da monetização, da agricultura. A ecologia integral é o contrário, quer ouvir o chamado da Terra que estamos matando, e ouvir o chamado dos pobres. Ainda há comunidades amazônicas e em outros lugares que combatem esse paradigma tecnológico com a própria vida”, lamentou.
O jesuíta informou ainda sobre iniciativas relacionadas à agroecologia integral, como o lançamento de um prêmio que levará o nome do jesuíta francês. Jean-Pierre Camilleri. Padre Camilleri trabalhou, na África, com as tribos e os mais pobres de Madagascar, e propôs uma tecnologia para cultivar o arroz, aliando conhecimentos tradicionais e agroecológicos. Com o novo método, foi capaz de duplicar a produção de arroz e a retenção de CO2. “Adoraríamos trabalhar com reitores e alunos de diferentes áreas na mudança de paradigma da agricultura”, convidou o reverendo Rožič.
Na parte da tarde, a mesa-redonda “... Do Rio a Belém’, trouxe John Martens, da British Columbia University, Canadá, Eugênio Martin de Palma, da Universidad Católica de Santa Fe, Argentina, e Dom Joaquim Ribeiro, bispo auxiliar da Arquidiocese de Manaus e diretor-geral da Faculdade Católica do Amazonas.
A resposta de John Martens à “Laudato si’’ sempre foi da perspectiva de um estudioso e teólogo, tendo como um dos elementos-chave a degradação ecológica do mundo:
“Precisamos de uma conversão espiritual. A forma como tratamos a Terra é a forma como tratamos as pessoas. O St. Martin's College, da British Columbia, está localizado em um local ancestral, território dos Musqueam, dos povos Squamish Esta terra nunca foi dada, não houve qualquer tratado feito com o governo canadense. E eu moro na terra do povo Swatian, que também é originário do Canadá. E uma coisa com relação à educação, para que seja integral, é que temos que vê-la como mais do que apenas dar informação. Então a pergunta é como podemos incorporar e aprender com os povos originários onde moramos: mais do que o reconhecimento da terra, como aprender sobre o local? O conhecimento real é sabedoria e tem um componente ético e religioso. Como descolonizar os currículos? Tenho tanto mais a dizer, mas permaneço com essa pergunta”, finalizou.
Para Eugênio Martin, é preciso trabalhar todo o magistério do Papa Francisco em relação às universidades. “É evidente que o modelo universitário moderno, seja o humboldtiano, o napoleônico, o profissionalizante ou o anglo-saxão empresarial, já caducou. Francisco nos deu um sinal em relação à universidade do sentido que poderíamos aprofundar. Ele exalta a todos os homens com as suas características próprias. Eu tenho mais perguntas do que respostas em relação a essa universidade do sentido e muitos de nós devemos ter essas perguntas porque era típico do papa para começar processos”.
O bispo auxiliar de Manaus observou que encontros como esses são provocações para pensar até que ponto, ao se olhar para o progresso, para a tecnologia, também se traz a temática do fazer memória.
“Fazer memória é o que tem ajudado as nossas comunidades ribeirinhas, os povos indígenas de fato, a sobreviver e a saber tirar da floresta a preservação. Os povos do Alto do Rio Negro Alto Rio Negro conseguiram, recentemente, ser reconhecidos pelo IPHAM, que é o Instituto do Patrimônio Histórico do Brasil. Eles tiveram sua prática agrícola tradicional reconhecida como patrimônio imaterial. Tudo isso só foi possível por conta do resgate da memória”, advertiu.
A conferência de encerramento trouxe Raphael Caillou, diretor-geral de Cultura da Organização dos Estados Iberoamericanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), na Espanha. Em sua exposição, Caillou abordou o papel da OEI como organismo multilateral de cooperação, com estratégias coordenadas de intervenção e atuação em diferentes áreas, eixos e atividades. Para ele, de forma clara e objetiva, a cultura representa uma estratégia de desenvolvimento muito importante:
“A cultura é uma grande geradora de oportunidades de inclusão social, de inclusão produtiva, de geração de renda, de emprego e de trabalho nas regiões. No contexto ibero-americano de trabalho, aproximadamente 3% dos empregos formais estão associados ao que seria a economia criativa de forma ampla. Quando vamos para o contexto mundial, estamos falando de 6%. Isso dá uma dimensão de grandeza e de relevância”, apontou.
De acordo com o diretor da OEI, além da relevância do impacto social da economia criativa, que só no Brasil responde por mais de 3% do PIB, é importante mencionar a cultura como um mecanismo fundamental de coesão social: “Um recente estudo da Unesco dá conta de que, no mundo, 89% dos conflitos armados existem entre países e nações com pouca ou nenhuma cooperação cultural”, alertou Caillou.
O congresso da Rede Universitária para o Cuidado da Casa Comum segue para seu terceiro dia, quando tratará do Sonho Social.
Fotos e vídeos do dia
Sonho Social: Política
"Justiça Ecológica Integral: o diálogo social como a melhor política para o respeito à dignidade humana"
Terceiro dia do congresso trouxe ministra Marina Silva para aula magistral
Texto: Renata Ratton
Assessora de Comunicação Institucional
Mesmo em um mundo assolado por guerras, intolerância, miséria e devastação ambiental, ainda é possível e preciso sonhar. Mais do que sonhar, é possível e imprescindível organizar a esperança. É exatamente isso que reitores das Américas e da Europa – empenhados em transformar suas instituições, países e o planeta em espaços de mudança de consciência e de ações concretas em benefício do meio ambiente e de suas criaturas – estão buscando realizar no congresso da Rede Universitária para a Casa Comum (RUC). Um encontro que chegou ao seu terceiro dia com o Sonho Social de Francisco, trazendo à pauta a política, a justiça ecológica integral, o diálogo social e o respeito à dignidade humana.
O primeiro painel impulsionou discussões e reflexões com o objetivo de dinamizar processos globais a partir das diferentes realidades e locais representados, e contou com a participação de Enrique Del Percio, da Universidade de San Isidro, Argentina, Alex Villas Boas, da Universidade Católica Portuguesa, Portugal, e Victor Carmona, da San Diego University, Estados Unidos.
O coordenador do Centro de Investigação em Teologia, Estudos e Religião da Universidade Católica Portuguesa (UCP), Alex Villas Boas, representou a professora Isabel Capeloa Gil, reitora da UCP. Como brasileiro vivendo em Portugal, Villas Boas se disse feliz em poder compartilhar sua experiência com colegas portugueses, no empenho de superação da distância histórica entre Norte e Sul.
Segundo Villas Boas, em 2016 perguntaram ao papa Francisco qual era o teólogo que mais o influenciara, e ele citou o jesuíta Michel de Certeau. A partir disso, pesquisadores do Centro retomaram um diálogo inacabado entre Certeau e Michel Foucault para pensar questões políticas, religiosas e ecológicas.
“Foucault dizia da importância de uma inteligência poliédrica para pensar o mundo contemporâneo, em especial a política e o poder, entendendo o poder como ação sobre ação. Também criticava a autorreferencialidade dos saberes, da qual se deu conta lendo Borges – a partir de um ensaio fabulístico do escritor e poeta argentino, sentiu a necessidade de imaginar uma realidade distinta da que vivia e pensava. Uma terceira dimensão que Foucault explorava era a busca por entender o arrefecimento dos movimentos revolucionários no Ocidente, e como o cruzamento entre a agenda religiosa e a política podia ser uma fonte de revolução. Ele então começou pensar espiritualidade e política, entendendo-as como formas privilegiadas de genealogia da ética para resistir aos abusos de poder ou a processos que não fossem mais dinamizadores da vida do povo”, elencou.
De acordo com o pesquisador, um elemento chamou muito a atenção no diálogo entre Foucault e Certeau: em Foucault, não há qualquer transformação social sem espiritualidade, entendendo a espiritualidade de forma mais ampla do que a religião, mas com uma convergência nesse processo.
“Isso impactou a percepção de Michel de Certeau, no exercício que fizemos de tradução, de entender uma teologia pública como o ato segundo de discernimento de uma experiência que visa transformar a cultura. Nesse contexto, a teologia foi pensada como eucarística, no sentido público – pois compartilha da cultura e do tempo em que vive –, e litúrgica, ao resgatar seu sentido grego original de serviço ao povo e aos que mais necessitam. A partir da dimensão de uma teologia pública, eucarística e litúrgica, também trabalhamos a dimensão ecológica lembrando que dimensão teológica se estabeleceu como um diálogo entre a unidade e a pluralidade. Na leitura de Certeau, Deus, sendo radicalmente diferente do ser humano, não vê na diferença um obstáculo à comunhão; portanto, a comunhão se dá exatamente entre diferentes, pontuou.
Apresentando-se como especialista em teologia moral, Victor Carmona alertou sobre a importância de uma resposta das universidades e igrejas ante os processos em curso na política estadunidense. Para ele, criar pontes é muito importante no contexto político que se vive naquele país e, por isso, se faz necessário pensar nos Estados Unidos como parte da América Latina.
“Mais de 60 milhões de americanos do norte são latinos; desta população, 40 milhões falam espanhol como língua materna, e me parece que isso representa uma população como, por exemplo, a da Espanha ou da Argentina. Somos povos irmãos e convidamos vocês a criarem pontes com nossas universidades. A conversão ecológica é uma grande batalha, com muitas dimensões. Em San Diego, somos uma universidade “Laudato si’” e os princípios da encíclica norteiam todos os nossos investimentos. Entendemos a conversão ecológica não somente de maneira pessoal, em nossos estudantes, mas também no nível comunitário e sistemático.
Enrique del Percio mencionou a fundamental necessidade do diálogo entre a teologia, a filosofia e as ciências sociais para a legitimação e a racionalização dos interesses econômicos e políticos. Para ele, do ponto de vista conceitual, se existe apenas o indivíduo, e não a sociedade, a liberdade se torna o valor central. No entanto, se essa liberdade for compreendida no sentido de que "a liberdade de um termina onde começa a do outro", esse outro é visto como um limite, levando ao desejo de que não exista: “Essa concepção de liberdade é comparável à de um leão na floresta, que age sem restrições, depredando o que encontrar”, ponderou, complementando:
“Se, por outro lado, acreditarmos na existência da sociedade sem o indivíduo — partindo do pressuposto de que toda consciência é social e não existe uma consciência individual —, então a igualdade passa a ser a chave. Contudo, essa igualdade anula tanto o indivíduo quanto suas liberdades... Se assumirmos que existimos em relação a nós mesmos, aos outros e ao restante da criação, então precisaremos adotar um valor diferente: a fraternidade”.
Del Percio lembrou que o Livro do Gênesis adverte, inclusive, sobre os perigos de uma visão ingênua da fraternidade – como o primeiro pecado do homem ao matar o irmão fora do paraíso, ou a história de José e seus irmãos:
“A fraternidade nos lembra que os relacionamentos são horizontais, desenvolvidos fora do ambiente familiar de origem, o que pode gerar conflitos. O papa Francisco chamou essa fase de fraternidade imatura. No entando, é preciso entender a fraternidade madura, que é a compreensão de que o outro é meu irmão, que nossos ancestrais são irmãos, e que todos são nossos irmãos. Essa é uma obrigação, como Francisco explica na encíclica “Fratelli Tutti”. Afinal, não podemos nos realizar plenamente se o outro não conseguir se realizar também. É por isso que, ao darmos algo e nos sentirmos melhores, ou mesmo ao recebermos, compreendemos a verdadeira essência da fraternidade”, finalizou.
A segunda mesa contou com a presença de Ernesto Villanueva, da Universidad Nacional Arturo Jauretche (UNAJ), Argentina, e Fernando Ponce Leon, da Universidad Católica de Ecuador, Equador, sob o tema “Justiça Ecológica, Social e Ambiental Integral”.
Ernesto Villanueva acrescentou três tópicos aos trabalhados anteriormente, apontando, de saída, para o título da mesa, que remetia a falas recentes de Francisco, e indagando o que significa a integralidade dessas justiças:
“Não significa que cada um de nós precise atuar nos três âmbitos, mas sim que devemos ter uma concepção integral. Mesmo que alguém se dedique a apenas um dos tópicos, não pode esquecer que os outros dois são igualmente importantes e devem ser considerados. Isso é fundamental para desenvolver políticas, seja na justiça social, ecológica... “, esclareceu.
No segundo tópico, Villanueva destacou a ideia platônica de que a política é uma preocupação com o bem comum, indagando se ela deve ser reservada a alguns seres humanos ou a todos.
“No texto, é dito que a política é uma semente que cada um de nós tem em seu coração e em sua mente, e que precisamos desenvolver. Se pensamos na atividade política como uma atividade que trata do bem comum, não precisamos de um conjunto de ações de desenvolvimento que nada tenham a ver com o bem comum. Acredito que esse aspecto está muito presente na América Latina, especialmente quando consideramos o desprestígio dos políticos e da atividade política”, comentou.
O terceiro tópico levantado foi o da organização, para ele central, já que não é possível atuar individualmente em todas as áreas. O pesquisador alertou para o risco de se cair na especialização excessiva e que, por isso, é necessário integrar as atividades da esfera da política global para evitar que outras potências ocupem esses espaços.
“Nós estamos no âmbito universitário, mas se separamos nossas atividades do que acontece nos outros âmbitos, contribuiremos para uma especialização. Acredito que, em alguns textos, Francisco falou sobre como a especialização excessiva destrói a nossa capacidade de compreendermos o mundo ao nosso redor, já que implica na rejeição do que acontece nos outros âmbitos. É preciso enfatizar a organização em todos os níveis: no nosso, o universitário, no dos sindicatos, mas, sobretudo, no âmbito da política mundial: somente neste âmbito – tão desprestigiado e vitimizado por acusações, que acabou se diluindo e dando lugar a outros tipos de poder – é que conseguiremos integrar as ações do mundo universitário, dos sindicatos, dos movimentos sociais...”
Fernando Ponce Leon também demonstrou preocupação com o desapego das pessoas em geral com relação à política, lembrando que, quando os indivíduos se afastam da política, estão se afastando do bem comum.
“A falta de sensibilidade com relação à política se justifica pela insensibilidade, que é muita. Quando nós, hoje, falamos do sonho político, eu me pergunto se a política ainda encanta ou representa um desencanto. Mais do que indiferença, existe uma antipolítica, um desprestígio que percebemos em pessoas e instituições.”
Em relação ao papel das universidades, o professor acredita que elas devem ter posicionamentos políticos muito claros. Para ele, quando se diz que “educar é um ato político”, isso significa que as instituições devem escolher para que tipo de coletivo, de ator individual, de classe, de organização querem entregar essa ferramenta poderosa que é a educação, o que pressupõe terem muito clara a sua cosmovisão.
“Todas as universidades têm uma cosmovisão, uma maneira de entender o mundo, mas muitas delas não a declaram. É a partir dessa visão que exercemos nossa função de educadores, e assim podemos contribuir para a recuperação da política, convertendo-nos, enquanto universidades, em atores políticos.”
A mesa-redonda "O caminho a seguir de Rio-Belém no sonho político" contou com a participação de Jackeline Farbiarz, da PUC-Rio, Susana Nuin, do Instituto Universitario SOPHIA América Latina, da Itália, e de Oscar Alpa, da Universidad Nacional de La Pampa, Argentina.
“Acho que é fundamental deixarmos a nossas margens para sermos capazes de nos congregar como somos e, mais ainda, de nos articular de maneira uniforme”, iniciou a socióloga e especialista Susana Nuin, convencida de que só é possível causar impacto político caminhando juntos.
Para ela, a RUC traz a possibilidade de articulação interinstitucional, de tecer um entrelaçamento que constrói uma trama: “ser trama é muito mais do que ser um ponto vertical: é um emaranhado que transforma o tecido social”, argumentou.
Nuin enxerga, como saída direta e forçosa, uma força política de ação complexa para a proposição de soluções reais que impactem países e estados. Destacou ainda ser fundamental o mapeamento das peculiaridades de cada universidade, para que se conheça suas riquezas. “É isso que vamos usar para nos impulsionar”.
A vice-reitora de Extensão e Estratégia Pedagógica da PUC-Rio, Jackeline Farbiarz, se apresentou como uma “pessoa de muitas perguntas, mais do que respostas”, e que muito aprendeu na área de Educação e Linguagem da Universidade.
“A primeira pergunta que eu formulei foi ‘Quem tornou o meu corpo um corpo político?’, e eu acho essa pergunta essencial porque estamos falando das gerações que estamos formando. E aí entram mais perguntas: ‘Como ensinar o nosso corpo a se reconhecer um corpo político?’. Acho que precisamos ensinar isso, o que não vejo ter tanta força hoje em dia”, advertiu, prosseguindo:
“E, ao sermos um corpo político, como podemos reconhecer corpos políticos diferentes dos nossos? Porque eu fui até a Amazônia duas vezes, mas em todas as minhas férias, nos últimos 20 anos, eu visitei aldeias indígenas. Quando chego, no caminho de descida para a aldeia tudo se mexe por onde piso; mas no caminho de retorno, tudo se mantém no lugar, o meu corpo é que muda. Em pouco tempo.”
Ao longo do tempo, Farbiarz se tornou uma pesquisadora que, entre outros, orienta alunos que trabalham em aldeias indígenas. Ela contou que não é incomum voltarem um tanto desapontados pela falta de respostas a suas indagações.
“Os indígenas me olham e ficam em silêncio total, independentemente daquilo que eu falo”, eles dizem. Só que, ao longo do tempo, na convivência, eles aprendem coisas simples como, por exemplo: ‘se me interessa, eu respeito e escuto.’; então, para os meus alunos, o desrespeito se transforma em respeito, eles precisam se acostumar com um outro corpo político”, observou.
Utilizando-se de experiências pregressas, Farbiarz destacou que a comunicação com os povos indígenas só é possível a partir da observação, da escuta e do entendimento dos mecanismos que cada tribo usa para se comunicar, como desenhos na terra, por exemplo, mas também lembrou que nem todos poderão vivenciar a experiência de uma aldeia:
“Como trazemos, então, essas experiências para nossas instituições? A realidade de uma comunidade vulnerabilizada, como a Rocinha, no Rio de Janeiro, não é igual à de uma aldeia, mas pode muito bem espelhar os problemas encontrados lá: drogas, violência, ausência de direitos humanos, desmatamento, inundações são questões que acontecem na aldeia, mas também acontecem aqui. Como levar as nossas universidades a promover realidades locais que conversem com as realidades da Amazônia, para que o corpo dos nossos alunos chegue mais preparado para escutar e promover junto? Na perspectiva da nossa Universidade, precisamos ajudá-los a sentir com as mãos e a pensar pelo corpo – como nos ensinou papa Francisco. Com isso, eles poderão ir; e, se não forem, poderão transformar o próprio local. E tudo será Casa Comum”.
Oscar Alpa ressaltou o problema de o individualismo tentar se afirmar como manejo do poder, a antipolítica que entra em choque com o sistema universitário, o qual tenta implementar a política do bem comum. Trata-se de um debate mundial necessário para as universidades, do contrário formarão autômatos que repetirão os sistemas baseados em lucros. “É o individualismo contra a solidariedade e o cooperativismo”, assinalou. Alpa alertou sobre os poderes que confrontam as universidades, acusando-as de fazerem política:
“É verdade, fazemos política, como foi dito, educar é um ato político. Porque, em nossa universidade – que é pública, com gestão privada –, cada vez mais nos preocupamos com ideias de que a educação deve pertencer a empresas, empresas que não têm preocupação com o bem comum e com o bem de nossos estudantes. Antes de pensarmos em um caminho para a COP30, devemos pensar nos jovens, nossa finalidade: que eles façam barulho, como disse o papa Francisco, mas é preciso acharmos formas de garantir esse barulho político em nossas universidades. E que não sejam tomados por manipulações de setores que valorizam a cultura do descarte e nem sejam unicamente direcionados para um setor profissional que pode acabar amanhã. É preciso meditarmos nesse sentido.”
Aula magistral – ministra do Meio Ambiente, Marina Silva
No terceiro dia de congresso, que também foi o Dia Internacional da Diversidade Biológica, a conferência de encerramento deu lugar à aula magistral proferida pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, especialmente para o congresso da RUC.
Em “La mejor política”, a ministra enfatizou que a COP 30 tem que ser a COP da implementação: “Nós já discutimos cadernos de verbas, fizemos tudo que dava para protelar. Agora, não tem mais o que fazer. É implementar, implementar, implementar... Tem que ser justo para todo mundo, principalmente para os mais vulneráveis”, declarou.
Ao observar que o primeiro ensaio sobre mudança do clima foi publicado em 1896, pelo físico sueco Svante Arrhenius, a ministra lembrou que, naquela época, o físico já advertia sobre o aumento da temperatura da Terra causado pela ação humana, reforçando que o papel da ciência é fundamental para assegurar uma rede de preservação da natureza contra os efeitos das mudanças climáticas:
“Cada vez mais as políticas terão que ser feitas com base em dados e evidências. Não tem mais tempo para a gente ficar inventando coisas e ignorando o que as universidades estão produzindo nas mais diferentes frentes da produção científica. O limite de elevar o aquecimento global a 1,5ºC dos níveis pré-industriais, previsto no Acordo de Paris, tem de balizar as ações no mundo. Não se pode ultrapassar 1,5ºC. É uma posição. Os governos não querem fazer? As empresas não querem mudar? Mas é 1,5ºC”, insistiu.
Marina Silva também exaltou o privilégio de o congresso contar com um vídeo do para Leão XIV, reiterando a obrigação dos seres humanos de preservarem e sustentaren a vida como lhes foi dada: “Todos deveríamos estar integrados àquilo que o papa Francisco falou sobre a nossa Casa Comum”, sentenciou, complementando que o Brasil e as Nações Unidas estão em tratativas com o Vaticano para um balanço ético global sobre o compromisso com a vida, a ser realizado antes da COP30. A iniciativa já vinha sendo conversada com o papa Francisco, e agora com o papa Leão XIV”.
Fotos e vídeos do dia
Sonho Ecológico: Economia
"Dívida pública e ecológica: Possibilidades de Remissão mediante uma nova arquitetura financeira"
Universidades traçam rota para a COP30 com foco nos mais vulneráveis Congresso internacional da Rede Universitária para o Cuidado da Casa Comum encerra trabalhos com propostas contundentes para renegociação de dívidas e mobilização por um futuro mais justo e sustentável.
Texto: Renata Ratton
Assessora de Comunicação Institucional
Com sabor de dever cumprido, mas sentimento de dever apenas iniciado, rumo à COP30 e a todas as ações que necessitam ser empreendidas, cuidadas e acompanhadas para dar concretude aos sonhos do papa Francisco – agora também de Leão XIV –, o quarto e último dia de trabalhos do congresso da Rede Universitária para o Cuidado da Casa Comum abordou o sonho ecológico, com o tema “Dívida Pública e Ecológica”.
Na mesa de abertura estavam Michael Lee, da Fordham University, Estados Unidos, Róman Pardo, da Universidad de Salamanca e da Conferencia Episcopal Española, Espanha, e monsenhor Lizardo Estrada, bispo auxiliar de Cuzco, Peru, e secretário-geral do Consejo Episcopal Latinoamericano y Caribeño (CELAM).
O professor de teologia Michael Lee registrou, em primeiro lugar, uma homenagem à memória de Dorothy Stang, irmã religiosa estadunidense e mártir no Brasil – assassinada no estado do Pará. Para ele e seus colegas da Fordham University, uma ativista que continua sendo um modelo de solidariedade no continente.
“Nossa universidade se autoidentifica como a universidade jesuíta de Nova Iorque, mas a verdade é que temos duas cidades em uma. Mesmo estando a apenas 10km de Wall Street, o centro financeiro dos Estados Unidos e do mundo, nossa sede é no Bronx, o distrito mais pobre do país. Vivemos e acompanhamos a realidade dessas comunidades, descobrindo nossa identidade como universidade comprometida com as pessoas desse lugar”, declarou.
Lee destacou que a universidade está tentando ‘bronxear’ Nova Iorque e, nos últimos cinco anos, trabalhou em um processo que tem subvenção federal de US$ 50 milhões e se chama “Florescendo em comunidade”. O programa começou com um acompanhamento de comunidades no Bronx, que sofrem economicamente, mas também ecologicamente. De acordo com o pesquisador, não se trata de um acompanhamento paternalista; ao contrário, é uma conexão com os “professores da história do Bronx”, cultura onde nasceu o hip-hop, entre outros movimentos.
“Com essa forma de cooperação, temos descoberto fatores econômicos dos Estados Unidos, que eles chamam de 'redlining', linhas vermelhas nos mapas, locais que o governo decidiu não serem dignos de crédito para comprar uma casa, por exemplo. Existem dívidas de planos de seguros, bairros inteiros no distrito sem apoio financeiro. O Bronx também é conhecido como o ‘beco da asma’, pois apresenta uma incidência da doença 30% maior do que no resto da cidade. Isso porque uma estrada, a Cross Bronx, acabou dividindo os bairros do distrito, e os caminhões que passam por ela prejudicaram em muito a qualidade do ar”, lamentou.
Lee relatou ainda o apartheid alimentar existente no Bronx. Embora o distrito seja um centro de alimentos, esses alimentos entram e saem, não ficam no Bronx porque a população é marginalizada, pessoas negras e latinas esquecidas pela cidade e pela nação.
“Nós, como universidade, vemos essa coincidência de fatores econômicos; nossos acadêmicos de finanças estudam os problemas em parceria com cientistas de qualidade da água, do ar, de distribuição alimentar; nesse conjunto, fomos descobrindo projetos e iniciativas de pesquisa. Temos membros de grupos de estudo das comunidades, e assim descobrimos uma forma de acompanhá-la verdadeiramente. As comunidades estão enriquecendo o trabalho universitário. A população do Bronx é quem nos dá uma direção como universidade e nos torna uma consciência crítica da política”, declarou.
Apesar da subvenção milionária do governo anterior, Lee comentou que tudo mudou em janeiro. A subvenção foi cancelada, pois, de acordo com o professor, os povos marginalizados não são mais uma prioridade do governo, como ele próprio divulgou. A agência federal de proteção do meio ambiente também não é mais uma prioridade, além das pressões sobre as universidades.
“Ao mesmo tempo, ainda estamos caminhando e dialogando com essas comunidades. Isso não vai parar. Perdemos a subvenção, mas aprendemos como sermos uma universidade na cidade de Nova Iorque. Então, é uma honra dividir isso com vocês hoje."
Com a palavra, monsenhor Lizardo Estrada, secretário-geral do CELAM, realizou uma breve exposição sobre o Conselho, que chega aos 70 anos de trabalho em rede dos bispos da América Latina e do Caribe, e com 22 conferências episcopais realizadas: “Trabalhamos para a comunhão, a unidade entre nós e com o papa, é claro. Queremos que Jesus seja conhecido pela humanidade. Ele fazia o que fazemos agora, trabalhar em comunhão, de maneira colegiada”, pontuou.
Estrada contou que, na semana anterior ao congresso, havia conversado com o papa Leão XIV a respeito da COP30. Recordaram que, em 2013, a primeira homilia do papa Francisco exaltou São José e seu cuidado e proteção com o menino Jesus e Maria. Já naquela ocasião, Francisco convidava os fiéis a serem cuidadores uns dos outros e a cuidarem da Casa Comum, o meio ambiente:
“Desde o início, Francisco falou em cuidar e não maltratar nossa Casa, de forma especial na ‘Laudato si’’, na ‘Fratelli Tutti’, e na ‘Laudato Deum’. Ele nos impulsionou e é nossa obrigação continuar com esse caminho diante dos desafios que enfrentamos. No CELAM, um dos temas que serão tratados na próxima semana é a questão das mudanças climáticas – em relação à sinodalidade. Sei que há pessoas sensíveis e próximas, como o papa Francisco mesmo falava, em relação aos problemas que enfrentamos”.
“Falarei agora da dívida e vou citar o papa Leão XIII, porque uma das ideias que nos transmitiu foi que, para que um contrato seja justo, é preciso que as duas partes tenham uma certa igualdade. Se o que está por cima obrigar o outro, nos encontramos, portanto, diante de um contrato injusto... Este é o conceito da justiça social e é o começo da dívida, social com aquele que sofreu a injustiça”, iniciou Róman Pardo, decano de Teologia da Universidad de Salamanca.
Evocando, em seguida, o papa Paulo VI – quando declarou que, após processo de descolonização, as metrópoles continuaram a se aproveitar dos países colonizados –, o decano afirmou ser possível, a partir dessa dívida histórica, associar a dívida ecológica a uma dívida real, externa e monetária neste ano jubilar. “A dívida ecológica mostra os países pobres em desvantagem, como um trem que vai embora levando os países ricos depois de extraírem da natureza e das pessoas tudo o que precisavam, produzindo uma dívida histórica e transgeracional”.
Para Pardo, se houve desigualdade histórica no tempo, é preciso reconhecer que há uma igualdade quanto à responsabilidade, mas uma desigualdade quanto à recuperação. Portanto, os grandes poluidores históricos deveriam ser os responsáveis por reparar e aportar recursos, de forma a que os novos bens incluam a remissão de dívidas ou o aumento de prazos, uma questão complexa, mas interessante do ponto de vista econômico.
“Para lembrar o papa Francisco, ele dizia, em espanhol: ‘Temos um problema, nós conjugamos a língua espanhola ao contrário, e isso é ensinado na escola: a primeira pessoa, eu, a segunda pessoa, você, a terceira pessoa, ele. É preciso aprender ao contrário – conjugar primeiro ele, depois você e, finalmente, eu’. Isso tem a ver com as dívidas, para que possamos aprender que é fundamental redistribuir os recursos e investir mais na vida”, concluiu.
Também presente ao encontro, Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus e membro da Pontifícia Comissão para a América Latina, observou que as universidades devem trazer, de novo, o futuro, como no passado o fizeram em relação à política, à democracia, à economia, e também em relação à fraternidade e à convivência humana. Ele lamentou ainda não ter sido possível levar a encíclica “Laudato si´” para as comunidades mais distantes.
“Em Manaus, estamos tentando elaborar subsídios para levar a ‘Laudato si´ e a ‘Fratelli Tutti’ às pequenas comunidades do interior. Essa questão do meio ambiente também está muito bem expressa em ‘Querida Amazônia’: nenhum sonho de Francisco está fora da experiência da fé, o que é extraordinário nessa exortação, que chamo de hermenêutica da totalidade – como lemos o evangelho e como levamos o evangelho nesse ser no mundo, esse mundo que existe, esse mundo dos pobres. Esse modo de fazer a leitura e de fazer a vida do evangelho florescer, papa Francisco nos ensinou de forma extraordinária”, reconheceu.
Para o bispo, a igreja da Amazônia tem uma caminhada longa, onde as comunidades conhecem suas responsabilidades, e as questões social, ecológica, cultural e de fé formam um todo. Sem esse todo, não é possível que as pessoas se compreendam como seres humanos nem como igreja:
“Francisco dizia que se os descartados não fossem vistos, não iríamos ao seu encontro e não lhes possibilitaríamos a restituição de sua dignidade”. Já Heidegger falava sobre ‘o ser no mundo’, levando em consideração toda a perspectiva de encontros como experiências da fé. Em Manaus, levamos a sério a “Querida Amazônia”, estamos devagarinho constituindo pequenos grupos de estudo com crianças e adolescentes. As comunidades têm tomado iniciativas, por exemplo, a respeito da coleta do lixo, que é um problema na cidade”, relatou.
Segundo Steiner, os textos de Francisco têm ajudado a mostrar a grande devastação que acontece na Amazônia com o garimpo, não apenas da floresta, mas do ser humano.
“E aí entra a questão econômica. Por que essa destruição? Dinheiro. Ouro. A morte de Bruno e de Dom, conhecida internacionalmente, era dinheiro. A deflorestação, qual é a grande questão? Dinheiro. Então quando nós abordamos a questão econômica, aqui tem uma profunda relação com a questão do meio ambiente. E nós, como igreja, tentamos fazer esse trabalho de elucidação, de conscientização, de percepção de que precisamos realmente cuidar da nossa Casa Comum."
Do Rio a Belém - Na segunda etapa do encontro sobre dívida ecológica, Carlos Greco, da Universidad Nacional San Martín, Argentina, retomou a discussão da dívida pública soberana, definindo-a como o resultado de compromissos passados, traduzidos por bônus que impõem obrigações de pagamentos periódicos. Ele ressaltou que essas obrigações "geram condições macroeconômicas que limitam, em algum sentido, a possibilidade de desenvolvimento dos países menos desenvolvidos".
Para ele, a grande novidade da abordagem reside na conexão com as dívidas ambientais e psicológicas, que descreveu como passivos resultantes da exploração de recursos naturais, que geraram impactos e consequências contínuas nos países em desenvolvimento. Ele salientou a dificuldade na definição e o fato de essas dívidas serem frequentemente "ocultadas" por não se desejar provocar essa compensação, uma vez que "os devedores são também credores ".
“A proposta central é que esses passivos ambientais possam ser compensados com as dívidas financeiras, é o que vamos propor, afirmou Greco, destacando que isso exige a determinação desses passivos ambientais e sua eventual compensação por meio de fluxos relacionados aos passivos financeiros.
Greco enfatizou que, na origem, as dívidas financeiras deveriam gerar possibilidades de desenvolvimento, criando condições de infraestrutura e conhecimento. No entanto, o cenário atual mostra um desvio dessa finalidade, já que todo o circuito não se mostra assim. “Alguém pegou e ninguém sabe por quê", criticou.
Dois temas cruciais surgem, então: a legitimidade da dívida e o impacto do passivo ambiental na impossibilidade de desenvolvimento. Para Greco, é preciso gerar consciência para transformar um círculo vicioso em um círculo virtuoso:
“A magnitude do problema é alarmante. Na América Latina e no Caribe, a média da dívida sobre o PIB "aumentou, está acima dos 100%". Isso significa que, para quitar a dívida, seria preciso, realmente, sacrificar o PIB de um ano inteiro, o que é impossível. Consequentemente, o foco se restringe ao pagamento de juros”, avaliou.
Ele também destacou um dado preocupante: na última década, o impacto dos juros passou de 43% a 66% em relação às despesas sociais, o que indica que “os recursos fiscais para as despesas sociais diminuíram porque aumentou o pagamento dos juros", resultando em "menos recursos sociais e menos capacidade de desenvolvimento".
Greco apontou a educação como um dos capítulos mais importantes dos recursos públicos, fundamentado na teoria do capital humano. "Todos os recursos que vão parar para a educação são um investimento, pois voltam por causa do resultado que geram em benefícios individuais e sociais”, apontou.
“A proposta final do coletivo é transmitir a dívida dos países e que ela seja avaliada em relação ao investimento da educação, pois a educação vai gerar as condições que, por sua vez, vão gerar os benefícios à sociedade", resumiu. Também sugeriu que instâncias como a COP, o Vaticano e as redes de colaboração elaborem uma proposta específica para reduzir os lucros durante um tempo determinado, a fim de mostrar que a aplicação dos recursos fiscais, ao invés de ser alocada para o pagamento de lucros, vá para as despesas sociais, para o conhecimento, para o desenvolvimento tecnológico soberano.
A gestão e geração do desenvolvimento tecnológico, de acordo com o professor, devem permanecer nas universidades, para que não respondam a interesses econômicos, financeiros, em lugar do bem comum. Ele concluiu que se os fundos forem alocados devidamente, será uma fórmula válida e com sentido para que os povos possam satisfazer, inclusive, a dívida financeira.
O professor Juliano Assunção, do Departamento de Economia da PUC-Rio, complementou os pontos levantados, alinhando-se à perspectiva de Greco, mas com foco distinto na crise climática. Ele citou o papa Francisco e a ministra Marina Silva, enfatizando a necessidade de articular "cabeça, coração e mãos de uma maneira integrada" e de buscar uma "COP de implementação".
Para o professor, é crucial entender que as universidades possivelmente têm uma capacidade muito maior de usar a cabeça do que as mãos. Assim, no caminho do Rio para Belém, é essencial "que estejam muito atentas para usar as mãos e, se preciso os pés, para “tirar algumas coisas do canudo", i.e., colocar em prática, sua teoria.
Assunção reiterou ser a crise climática o ponto de partida para a conexão entre dívida financeira soberana e dívida climática. "A crise climática, grosso modo, foi criada por países ricos e será mais sentida por países pobres. Isso é um fato", afirmou.
Ele apresentou dados que demonstram uma correlação clara entre PIB per capita e emissões per capita, explicando que o desenvolvimento econômico esteve historicamente associado à queima de combustíveis fósseis. "Aqueles países que não se beneficiaram desse processo com tanta força estão diante de uma situação em que precisam fazer as suas sociedades prosperarem... isto, em um ambiente em que se tem muito pouco espaço, na atmosfera, para o acúmulo de gases (adicionais) de efeito estufa. Essa é a natureza da dívida climática”.
O professor deu como exemplos os Estados Unidos e a Europa que, com 10% da população mundial, ocuparam um terço do estoque de gás de efeito estufa presente, hoje, na atmosfera, em contraste com a Índia, que precisa de oportunidades para se desenvolver, evidenciando a questão de justiça e ética.
Assunção lamenta que o cenário atual seja de pouca esperança para conter as mudanças climáticas nos níveis desejados, lembrando que os países mais pobres e endividados terão muito pouca capacidade de absorver essas alterações do clima e o aumento de frequência dos eventos extremos. Para esses, "não tem esperança".
Em resposta ao desafio, ele revelou que um grupo de economistas, constituído pelo embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, está desenvolvendo uma proposta liderada pelo professor Harrison Hong, da Columbia University, Estados Unidos. A iniciativa sugere um programa de renegociação de dívidas públicas para países altamente endividados. A contrapartida seria o investimento em adaptação climática. "É como se estivéssemos liberando recursos orçamentários para esses países se preparem para viver em um mundo com clima diferenciado", esclareceu o professor.
Ele ressaltou que esse processo tem que ser interativo, porque vários países estão endividados por razões diferentes e muitas vezes estão capturados por grupos políticos. Citando a ministra Marina Silva, lembrou que "só é possível perdoar o que pode ser punido", indicando a necessidade de se garantir que os recursos sejam utilizados de maneira adequada.
“A proposta de renegociação das dívidas públicas para países altamente endividados, com a contrapartida de investimentos em adaptação para suas populações, constitui um caminho muito promissor e deveria ser a base para um diálogo concreto no caminho do Rio a Belém", concluiu o professor.
Mobilização e Estratégias para a COP30
A plenária final abriu espaço para reitores e representantes das comissões, que reforçaram a força e a intensidade dos debates. Guevara, da Universidade Ibero-americana da Cidade do México, destacou a importância da comunicação. "A RUC tem uma estrutura muito potente em um elemento muito importante, que é a comunicação. Nós temos departamentos de comunicação e temos que transmitir a mensagem, a capacitação, a conscientização, fazer com que cheguem a todos os níveis e com o dispositivo disponível", afirmou. Ele sugeriu o uso de inteligência artificial, cursos e a colaboração com influenciadores para divulgar a mensagem de que a boa Casa Comum é possível.
Um dos participantes sugeriu a criação de um glossário sobre os temas debatidos, especialmente a partir da encíclica “Laudato si’”, e questionou: "Qual é o barulho que nós vamos fazer para sermos ouvidos?". A provocação foi no sentido de que os estudantes devem ser mobilizados para essa causa.
Outra provocação sobre tecnologia foi feita: "A tecnologia não é neutra, nós todos sabemos disso. Ela imprime valores silenciosos em nossos alunos, na nossa sociedade... Está aqui nos impondo normas, pressas, angústias. E a universidade? Ela tem coragem de imprimir seus valores?”. A fala enfatizou a necessidade de as universidades assumirem seus valores éticos e de direitos humanos.
Um participante da Argentina expressou a esperança trazida pelo evento em meio às dificuldades em seu país. Ele defendeu a necessidade de construir maiorias para um mundo melhor e a importância de delinear um quadro jurídico para a COP, que obrigue as partes a fazerem os acordos, que os respeitem, para se elaborar um quadro jurídico que seja proposto à COP. Ele também sugeriu mobilização estudantil em cada universidade, país e região para expressar a legitimidade das manifestações, pois na Argentina, a sociedade pedia o direito à educação.
Cristina Bailey, da Universidad de Guatemala, defendeu a aproximação das universidades com os governos, especialmente os ministros do meio ambiente que são os principais participantes da COP. Ela enfatizou a necessidade de uma "única folha, uma página de demandas que cheguem até lá e isso é urgente se queremos que isso chegue até a COP mesmo porque as negociações já estão acontecendo então precisamos nos fortalecer, trabalhar e como atores políticos fortes que somos as universidades fazer essa aproximação e exigir pedir e exigir aos nossos governos que levem isso até a COP e que considerem essa carta também".
Ilich Silva-Peña, pesquisador da Universidad de Mar del Plata, Argentina, propôs a formação de equipes interinstitucionais para a determinação econômica da dívida ecológica, juntando economistas, ambientalistas, juristas e comunicadores sociais. Outra sugestão foi replicar o evento da RUC em cada um dos 200 locais de origem das universidades participantes, convidando autoridades locais para reproduzir o diálogo e entregar as conclusões do congresso.
Um representante de Oxford demonstrou interesse em unir forças com a RUC, mesmo não sendo ibero-americano, e sugeriu abordagens top-down (declarações oficiais da rede) e bottom-up (mobilização de milhares de alunos e professores em eventos durante a COP). Ele mencionou o papel da Igreja Católica e do Vaticano, além da delegação local da Amazônia.
Juan Pablo Gasme, da Caritas América Latina e Caribe, reforçou a ideia da diplomacia silenciosa com ministros e secretarias do meio ambiente, pois "essas propostas que temos não vão ser ouvidas se os países não realmente falarem a respeito". Ele também alertou para a Conferência de Bonn, que acontece em junho, como um ponto chave nas negociações antes da COP.
Ana Júlia Suriel, vice-reitora executiva da Universidad Pedagógica Dominican, propôs que as universidades busquem participar das delegações dos seus próprios países na COP, procurando mecanismos através de relações exteriores. Ela também sugeriu organizar encontros regionais pré-COP para consolidar uma posição acadêmica comum.
Maria Villarreal, professora de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, acolheu as propostas e reforçou a importância da comunicação em uma "sociedade do espetáculo". Ela sugeriu que a RUC tenha espaço nas mídias para divulgar pesquisas e artigos de opinião, além de mobilizar faculdades e centros de comunicação para criar ferramentas que dialoguem com o público amplo, "fazer barulho no bom sentido para chegar até onde queremos chegar".
Roberto Gallo, reitor da Universidad Nacional del Oeste, apresentou a proposta de criar um projeto de 50 semanas, com 50 ações concretas para salvar o planeta, postando um artigo semanal nos sites das universidades. Ele também relembrou a proposta de Carlos Greco de uma grande mobilização em Belém, replicada em cada local.
Fotos e vídeos do dia
10º Aniversário da Laudato Si'
Evento público de incidência no Cristo Redentor
Em amanhecer no Cristo Redentor Reitores, membros e colaboradores da Rede de Universidades para o Cuidado da Casa Comum unem vozes pela justiça ecológica e social, em celebração dos 10 anos da encíclica Laudato si’ e ao encerramento do congresso ibero-americano
Texto: Renata Ratton
Assessora de Comunicação Institucional
Uma celebração convertida em compromisso. No dia 24 de maio de 2025, quando a encíclica “Laudato si’” completou uma década, representantes de mais de 200 universidades – entre públicas, privadas, laicas e confessionais das três Américas e da Europa – uniram-se no Santuário Cristo Redentor com o objetivo de transformar os sonhos de Francisco em intervenções concretas na COP3O e no mundo. Nos quatro dias anteriores, haviam empenhado grandes esforços em trabalhos e debates no âmbito do congresso da Rede Universitária para o Cuidado da Casa Comum (RUC), sediado na PUC-Rio.
Aos pés do Redentor, reitores e reitoras emitiram um chamado coletivo e urgente, em que afirmaram que a crise climática não é uma ameaça futura, mas uma realidade que afeta desproporcionalmente povos e territórios vulnerabilizados. Diante desse cenário, as universidades reconheceram sua responsabilidade ética, científica, pedagógica e institucional de agir, e não permanecer à margem.
Após palavras de união e encorajamento da secretária da Pontifícia Comissão para América Latina, Emilce Cuda, o discurso conjunto do reitor da PUC-Rio, pe. Anderson Antonio Pedroso, S.J., e da presidente da RUC, Agustina Rodríguez Saá, reafirmou os objetivos da Rede:
"Neste lugar que é símbolo global, o Santuário Cristo Redentor, nos 10 anos da 'Laudato si'', nos comprometemos a fortalecer o caminho que iniciamos na audiência histórica que nos concedeu o papa Francisco, em setembro de 2023, quando nos chamou a organizar a esperança", disse padre Anderson. Já monsenhor Lizardo Estrada lembrou do sofrimento dos vulnerabilizados pela degradação ambiental.
O congresso da RUC resultou em uma série de propostas: para o “Chamado à Justiça ecológica”, as universidades demandam um exercício efetivo de justiça ecológica, social e ambiental que atenda ao clamor da Terra e dos povos mais esquecidos; para a “Remissão das Dívidas” dos países vulnerabilizados, propõem que Estados, organismos multilaterais e atores financeiros globais impulsionem, no âmbito do Acordo de Paris, a remissão da dívida pública dos países menos industrializados em troca da dívida ecológica dos países mais desenvolvidos; para a “Construção de Pontes”, convidam todos os setores da sociedade a construir pontes de integração entre o Norte e o Sul, o público e privado, e entre diversas culturas e saberes, por meio de escuta atenta e do diálogo sincero, a fim de formular estratégias globais de cuidado comum.
Um dos principais compromissos assumidos foi o de fortalecer uma educação transformadora, que integre as dimensões ecológica, social, econômica, cultural e espiritual do desenvolvimento sustentável, capacitando as novas gerações a habitar o mundo com responsabilidade, criatividade e justiça.
Para os signatários, mais do que um gesto simbólico, a chamada é um ato de consciência e ação coletiva. As universidades em rede e a serviço de um futuro melhor, declarando enfaticamente: "Não há justiça social sem justiça ecológica. Não há futuro sem compromisso."
Chamada Global a partir do Rio de Janeiro
Universidades pela justiça climática