PUC-Rio
Vestibular 2005Provas e Gabaritos

 TIPOS DE PROVAS 
1º dia - 03/12/2004
2º dia - 08/12/2004
TODOS OS GRUPOS GRUPO 1 GRUPO 2 GRUPO 3
DISCURSIVAS Redação e Língua Portuguesa e Literatura Brasileira Física, Matemática e Química Geografia e História Geografia, História e Matemática
OBJETIVAS Inglês, Espanhol e Francês Biologia, Geografia e História Biologia, Física, Matemática e Química Biologia, Física e Química
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HABILIDADES ESPECÍFICAS
(provas realizadas em 07/11/2004)
- Memorial para TEOLOGIA
- Inglês para RELAÇÕES INTERNACIONAIS
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LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA BRASILEIRA (discursiva) - todos os grupos
Prova realizada no dia 03/12/2004


Texto 1

Descobrimento
                       Mário de Andrade

Abancado à escrivaninha em São Paulo 
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De sopetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei lá no norte, meu Deus!
                                                  [muito longe de mim,
Na escuridão ativa da noite que caiu,
Um homem pálido, magro de cabelo escorrendo nos olhos
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu...

ANDRADE, Mário de. Poesias completas. Belo Horizonte: Villa Rica, 1993, p.203.


Texto 2

O açúcar
                   Ferreira Gullar

O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.

Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,
dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.
Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.

Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola,
homens que não sabem ler e morrem de fome
aos 27 anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.

Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

GULLAR, Ferreira. Dentro da noite veloz & Poema sujo. São Paulo: Círculo do Livro, s/d, pp.51-2.

Questão 01
(valor: 2,0 pontos)

a) Observa-se nos dois poemas a presença de uma relação de aproximação e/ou distanciamento entre o lugar de enunciação do eu poético e o da temática enunciada. Caracterize, com suas próprias palavras, tal procedimento, retirando passagens dos textos que justifiquem a sua resposta.

Resposta: O lugar de enunciação do eu poético nos dois textos é o do homem da cidade ("Abancado à escrivaninha em São Paulo / Na minha casa da rua Lopes Chaves" - texto 1; "O branco açúcar que adoçará meu café / nesta manhã de Ipanema" - texto 2), o do escritor que, apesar do distanciamento geográfico, social e cultural, sensibiliza-se, identifica-se e busca compreender a existência e importância do trabalhador rural, do homem do interior do Brasil ("Não vê que me lembrei lá no norte, meu Deus! [muito longe de mim, / Na escuridão ativa da noite que caiu, / Um homem pálido, magro de cabelo escorrendo nos olhos" - texto 1; "Em lugares distantes, onde não há hospital / nem escola, / homens que não sabem ler e morrem de fome / aos 27 anos / plantaram e colheram a cana / que viraria açúcar." - texto 2).

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b) No poema Descobrimento (texto 1), certos substantivos encontram-se qualificados por adjetivos inusitados. Retire do texto UMA dessas combinações incomuns, explicando por que tem um efeito especial.

Resposta: Uma combinação inusitada seria "livro palerma". O efeito especial aqui decorre do fato de que o adjetivo palerma não é comumente utilizado para qualificar objetos inanimados.


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Texto 3


Navio Negreiro

     Castro Alves
      (fragmento)

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar! por que não apagas
Coa esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...

Quem são estes desgraçados,
Que não encontram em vós,
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são?...Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa musa,
Musa, libérrima, audaz!

São os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz.
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados,
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão...
Homens simples, fortes, bravos...
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão...

CASTRO ALVES In CANDIDO, Antonio e CASTELLO, J Aderaldo. Presença da literatura
                            brasileira. Do Romantismo ao Simbolismo
. São Paulo: Difel, 1976, p. 70.

 

Questão 02
(valor: 2,0 pontos)

O fragmento acima foi retirado do canto V de Navio Negreiro, um dos poemas mais significativos do romantismo brasileiro.

a) Estabeleça uma comparação entre a temática abordada por Castro Alves e os tópicos recorrentes na segunda fase da poesia romântica, o chamado "Mal do Século".

Resposta: A temática social abordada por Castro Alves, explicitada na denúncia dos horrores da escravidão e na luta pela sua abolição, difere por completo dos tópicos recorrentes na fase do Ultra-Romantismo ou "Mal do Século", representados por poemas que abordam, num universo de pessimismo e angústia, os seguintes aspectos: individualismo, solidão, melancolia, frustração e morte.

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b) Percebe-se no texto 3 um forte tom de eloqüência que não está presente nos poemas de Mário de Andrade e de Ferreira Gullar. A partir desta constatação, determine dois recursos estilísticos utilizados por Castro Alves com o objetivo de persuadir e comover o leitor.

Resposta: O uso de exclamações, apóstrofes e verbos no imperativo.


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Texto 4

No dia 12 de outubro de 1492, Cristóvão Colombo escreveu em seu diário que ele queria levar alguns índios à Espanha para que aprendam a falar ("que deprendan hablar"). Cinco séculos depois, no dia 12 de outubro de 1989, em uma corte de justiça dos Estados Unidos, um índio mixteco foi considerado "retardado mental" (mentally retarded) porque não falava corretamente a língua castelhana. Ladislao Pastrana, mexicano de Oaxaca, trabalhador braçal ilegal nos campos da Califórnia, ia ser encerrado para o resto da vida em um asilo público. Pastrana não se entendia com a intérprete espanhola, e o psicólogo diagnosticou "um claro déficit intelectual". Finalmente, os antropólogos esclareceram a situação: Pastrana expressava-se perfeitamente em sua língua, a língua mixteca, que é falada pelos índios herdeiros de uma alta cultura de mais de dois mil anos de antigüidade.

O Paraguai fala guarani. Um caso único na história universal: a língua dos índios, língua dos vencidos, é o idioma nacional unânime. E, no entanto, a maioria dos paraguaios opina, de acordo com as pesquisas, que os que não entendem espanhol "são como animais" .

De cada dois peruanos, um é índio, e a Constituição do Peru diz que o quéchua é um idioma tão oficial como o espanhol. A Constituição diz, mas a realidade não escuta. O Peru trata os índios como a África do Sul trata os negros. O espanhol é o único idioma ensinado nas escolas e o único entendido pelos juízes e policiais e funcionários. (O espanhol não é o único idioma da televisão, porque a televisão também fala inglês.)

Há cinco anos, os funcionários do Registro Civil de Buenos Aires negaram-se a registrar o nascimento de um menino. Os pais, indígenas da província de Jujuy, queriam que seu filho se chamasse Qori Wamancha, um nome de sua língua. O registro argentino não o aceitou "por tratar-se de nome estrangeiro".

Os índios das Américas vivem exilados em sua própria terra. A linguagem não é um sinal de identidade, é a marca da maldição. Não os distingue: delata-os. Quando um índio renuncia à sua língua, começa a civilizar-se. Começa a civilizar-se ou começa a suicidar-se?

Quando eu era criança, nas escolas do Uruguai nos ensinavam que o país tinha se salvado do "problema indígena" graças aos generais que no século passado exterminaram os últimos charruas.

O problema indígena: os primeiros americanos, os verdadeiros descobridores da América, são "um problema". E para que o problema deixe de ser um problema, é preciso que os índios deixem de ser índios. Apagá-los do mapa ou apagar-lhes a alma, aniquilá-los ou assimilá-los: o genocídio ou o outrocídio.

GALEANO, Eduardo. Ser como eles. Rio de Janeiro: Revan, 2000, pp 72-3.

Questão 03
(valor: 2,0 pontos)

a) Explique com suas próprias palavras a distinção feita por E. Galeano entre genocídio e outrocídio.

Resposta: Com os termos genocídio e outrocídio, Galeano se refere a duas formas de violência contra os índios, ou a duas formas de fazer com que "os índios deixem de ser índios". A primeira é a sua aniquilação concreta, o extermínio de sua etnia - a prática do genocídio. A segunda é o apagamento da cultura indígena, de tudo aquilo que a torna uma outra cultura em relação àquela dominante. Para caracterizar esta última prática, Galeano se vale do neologismo outrocídio, criação que pode ser interpretada como equivalente a "a eliminação da diferença".

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b) Explique em que sentido se pode dizer que os textos 1, 2, 3 e 4 tematizam todos a figura do outro. Especifique quem são os outros em cada um dos textos.

Resposta: Os textos 1 a 4 tematizam a tensão entre aqueles que se encontram em situação de poder ou privilégio e os outros - subjugados, incompreendidos, diferentes. Nos poemas de Mário de Andrade e Ferreira Gullar, os outros são os trabalhadores rurais; no poema de Castro Alves, os escravos; e no texto de Galeano, os índios.


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Questão 04
(valor: 2,0 pontos)

a) Especifique a que se refere a expressão "este borrão" no verso 7 da primeira estrofe do poema de Castro Alves (texto 3).

Resposta: A expressão "este borrão" refere-se ao navio negreiro e a todo o sofrimento ali imposto aos escravos. Na estrofe em questão, remete especialmente ao verso 4, "tanto horror perante os céus".

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b) No poema O Açúcar, Ferreira Gullar faz amplo uso de orações adjetivas, como ilustra especialmente a passagem entre os versos 22 e 27:

Em lugares distantes, onde não há hospital / nem escola, / homens que não sabem ler e morrem de fome / aos 27 anos / plantaram e colheram a cana / que viraria açúcar.

Resposta: Em homens que não sabem ler, a oração adjetiva sublinhada pode ser substituída pelo adjetivo analfabetos.
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UMA das orações adjetivas destacadas pode ser substituída por um adjetivo de valor correspondente. Faça tal substituição.

c) Reescreva o período abaixo colocando o verbo considerar na voz ativa:

Cinco séculos depois, no dia 12 de outubro de 1989, em uma corte de justiça dos Estados Unidos, um índio mixteco foi considerado "retardado mental" porque não falava corretamente a língua castelhana.

Resposta: Cinco séculos depois, no dia 12 de outubro de 1989, uma corte de justiça dos Estados Unidos considerou um índio mixteco "retardado mental" porque não falava corretamente a língua castelhana.


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Questão 05
(valor: 2,0 pontos)

Em uma entrevista dada a professores da USP, Darcy Ribeiro comenta o seguinte sobre sua relação com os índios:

— Olha, uma das decisões importantes, sábias, da minha vida, foi a de me dedicar à etnologia
indígena. E eu devo isto ao ambiente da academia de São Paulo, que acabou por me levar, eu, um
rapazinho, filho de gente que criava gado, a estudar a natureza humana, lendo a natureza humana
nas populações indígenas.

Adaptado de texto encontrado em http://www.casadobruxo.com.br/ilustres/darcy_entre.htm

Transforme a fala de Darcy Ribeiro em discurso indireto, fazendo as adaptações de linguagem que julgar pertinentes. (Fique especialmente atento ao uso dos pronomes, aos tempos verbais e à necessidade de inclusão de palavras que garantam a coesão). Inicie sua resposta com a seguinte oração: Darcy Ribeiro comentou que...

Resposta: Darcy Ribeiro comentou que uma das decisões importantes, sábias, da sua vida, tinha sido a de se dedicar à etnologia indígena. Acrescentou que devia isso ao ambiente da academia de São Paulo, que acabou por levá-lo - ele, um rapazinho, filho de gente que criava gado - a estudar a natureza humana, lendo-a nas populações indígenas.


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