PUC-RIO
Vestibular 2004Provas e Gabaritos

 TIPOS DE PROVAS 
1º dia - 08/12/2003
2º dia - 11/12/2003
TODOS OS GRUPOS GRUPO 1 GRUPO 2 GRUPO 3
DISCURSIVAS Redação e Língua Portuguesa e Literatura Brasileira Física, Matemática e Química Geografia e História Geografia, História e Matemática
OBJETIVAS Inglês, Espanhol e Francês Biologia, Geografia e História Biologia, Física, Matemática e Química Biologia, Física e Química
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HABILIDADES ESPECÍFICAS (provas realizadas em 25/11/2003)
- Memorial para TEOLOGIA
- Inglês para RELAÇÕES INTERNACIONAIS
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LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA BRASILEIRA (discursiva) - todos os grupos
Prova realizada no dia 08/12//2003
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Texto 1

Da Educação das Crianças

Michel de Montaigne

     (...) É uma das mais árduas tarefas que conheço colocar-se a gente no nível da criança; e é característico de um espírito bem formado e forte condescender em tornar suas as idéias infantis, a fim de melhor guiar a criança. Anda-se com mais segurança e firmeza nas subidas que nas descidas.
     Quanto aos que, segundo o costume, encarregados de instruir vários espíritos naturalmente diferentes uns dos outros pela inteligência e pelo temperamento, a todos ministram igual lição e disciplina, não é de estranhar que dificilmente encontrem em uma multidão de crianças somente duas ou três que tirem do ensino o devido fruto. Que à criança não se peça conta apenas das palavras da lição, mas também do seu sentido e substância, julgando do proveito, não pelo testemunho de memória e sim pelo da vida. É preciso que a obrigue a expor de mil maneiras e acomodar a outros tantos assuntos o que aprender, a fim de verificar se o aprendeu e assimilou bem, aferindo assim o progresso feito segundo os preceitos pedagógicos de Platão. É indício de azia e indigestão vomitar a carne tal qual foi engolida. O estômago não faz seu trabalho enquanto não mudam o aspecto e a forma daquilo que se lhe deu a digerir.
     (...)"

[In: Ensaios I , Coleção Os Pensadores, São Paulo:Abril, 1971]

Questão 01
(valor: 2,0 pontos)

a) O pequeno fragmento de Montaigne abre-se com uma alusão à dificuldade de "o adulto colocar-se no nível da criança". O episódio narrado abaixo ilustra como os caminhos do pensamento infantil podem surpreender:

Um pai mostra um retrato da bisavó ao filho de três anos:
      Menino: Quem é?
      Pai: Sua tataravó.
      Menino: Cadê ela?
      Pai: Ela já morreu, muitos anos atrás.
      Menino: Atrás de quê?

Explique por que, nesse caso específico, o modo de pensar do menino causa surpresa ao adulto.

R: A surpresa decorre de um sentido inesperado que a criança atribui à palavra "atrás" nesse contexto. Na fala do adulto, "atrás" indica tempo decorrido, ao passo que, na da criança, assume uma dimensão espacial.

b)A expressão "ficar ruminando uma idéia" remete a uma analogia de que Montaigne também faz uso em seu texto. Levando-se em conta que toda analogia compara coisas diferentes apontando entre elas traços de semelhança, faça o que se pede:

(i) Retire do texto uma frase em que Montaigne faz uso explícito da analogia presente na expressão mencionada acima.

R: "É indício de azia e indigestão vomitar a carne tal qual foi engolida." Ou: "O estômago não faz seu trabalho enquanto não mudam o aspecto e a forma daquilo que se lhe deu a digerir."

(ii) Responda: o que está sendo comparado na analogia em questão?

R: Estão sendo comparados pensamento e alimentação.


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Questão 02
(valor: 2,0 pontos)

Estabeleça uma relação entre o texto de Montaigne e o seguinte pensamento de A. Schopenhauer:

Pensamentos no papel são como as pegadas de um homem na areia. É certo que podemos ver o caminho que ele tomou; mas para ver o que ele viu no trajeto, precisamos usar os nossos próprios olhos.

R: Os fragmentos de Montaigne e Schopenhauer têm em comum a valorização da autonomia intelectual; salientam ambos a importância de uma reflexão própria no exame de saberes estabelecidos.


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Texto 2

Infância

Carlos Drummond de Andrade

MEU PAI montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala _ e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
Olhando para mim:
— Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

[In: Poesia e Prosa/Alguma Poesia. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1979. p.71]

Texto 3

Minha Vida e Meus Amores

Mon Dieu, fais que je puisse aimer!
S. Beuve.

Quando, no albor da vida, fascinado
Com tanta luz e brilho e pompa e galas,
Vi o mundo sorrir-me esperançoso:
— Meu Deus, disse entre mim, oh! Quanto é doce.

Quanto é bela esta vida assim vivida! _
Agora, logo, aqui, além, notando
Uma pedra, uma flor, uma lindeza,
Um seixo da corrente, uma conchinha
      À beira-mar colhida!

Foi esta a infância minha; a juventude
Falou-me ao coração: - amemos, disse,
      Porque amar é viver.
E esta era linda, como é linda a aurora
No fresco da manhã tingindo as nuvens
      De rósea cor fagueira;
Aquela tinha um quê de anelos meigos
      Artífice sublime;
Feiticeiro sorrir dos lábios dela
Prendeu-me o coração; - julguei-o ao menos.
      (...)

Gonçalves Dias. In: Poesia e prosa Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998. p.136

Questão 03
(valor: 2,0 pontos)

a) Lendo os dois poemas, um de Gonçalves Dias e outro de Carlos Drummond de Andrade, indique marcas de diferença no lirismo presente em cada um deles.

R: No poema de Drummond, o emprego econômico e harmonioso do coloquial confere perspectiva lírica às lembranças da infância, vivida no cotidiano da fazenda patriarcal.
Já no fragmento de poema de Gonçalves Dias, as emoções convencionalmente relacionadas à infância apresentam-se através de imagens e metáforas da natureza, compondo a retórica exclamativa das estrofes.


b)
Comente o emprego da palavra "longe" quanto à classe gramatical no seguinte verso do Texto 2:

      a ninar nos longes da senzala _ e nunca se esqueceu (linha 8)

R: A palavra longe ocorre tipicamente como advérbio, mas no verso em questão aparece como substantivo.


c)
Do texto abaixo, foram retirados todos os sinais de pontuação. Reescreva-o acrescentando os devidos sinais (faça as modificações relativas a letras maiúsculas).

Antônio Gonçalves Dias nasceu em Caxias província do Maranhão filho de português com mestiça fez no Maranhão seus primeiros estudos e seguiu na sua juventude para Coimbra onde completou sua formação regressando ao Maranhão sentiu-se incompatibilizado em seu meio e seguiu para a Corte no Rio de Janeiro

R: Antônio Gonçalves Dias nasceu em Caxias, província do Maranhão, filho de português com mestiça. Fez no Maranhão seus primeiros estudos e seguiu na sua juventude para Coimbra, onde completou sua formação. Regressando ao Maranhão, sentiu-se incompatibilizado em seu meio e seguiu para a Corte, no Rio de Janeiro.


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Texto 4

Um cinturão

Graciliano Ramos

Onde estava o cinturão? A pergunta repisada ficou-me na lembrança: parece que foi pregada a martelo.

A fúria louca ia aumentar, causar-me sério desgosto. Conservar-me-ia ali desmaiado, encolhido, movendo os dedos frios, os beiços trêmulos e silenciosos. Se o moleque José ou um cachorro entrasse na sala, talvez as pancadas se transferissem. O moleque e os cachorros eram inocentes, mas não se tratava disto. Responsabilizando qualquer deles, meu pai me esqueceria, deixar-me-ia fugir, esconder-me na beira do açude ou no quintal. (...)

Havia uma neblina, e não percebi direito os movimentos de meu pai. Não o vi aproximar-se do torno e pegar o chicote. A mão cabeluda prendeu-me, arrastou-me para o meio da sala, a folha de couro fustigou-me as costas. Uivos, alarido inútil, estertor. Já então eu devia saber que rogos e adulações exasperavam o algoz. Nenhum socorro. José Baía, meu amigo, era um pobre-diabo. (...)

Junto de mim, um homem furioso, segurando-me um braço, açoitando-me. Talvez as vergastadas não fossem muito fortes: comparadas ao que senti depois, quando me ensinaram a carta de A B C, valiam pouco. Certamente o meu choro, os saltos, as tentativas para rodopiar na sala como carrapeta, eram menos um sinal de dor que a explosão do medo reprimido. Estivera sem bulir, quase sem respirar. Agora esvaziava os pulmões, movia-me, num desespero.

O suplício durou bastante, mas, por muito prolongado que tenha sido, não igualava a mortificação da fase preparatória: o olho duro a magnetizar-me, os gestos ameaçadores, a voz rouca a mastigar uma interrogação incompreensível.

Solto, fui enroscar-me perto dos caixões, coçar as pisaduras, engolir soluços, gemer baixinho e embalar-me com os gemidos. Antes de adormecer, cansado, vi meu pai dirigir-se à rede, afastar as varandas, sentar-se e logo se levantar, agarrando uma tira de sola, o maldito cinturão, a que desprendera a fivela quando se deitara. (...)

In: Fragmento de Infância. 32a ed. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 31/32

Questão 04
(valor: 2,0 pontos)

a) Indique, neste fragmento de Infância, expressões que evidenciam a alteração do olhar da criança sobre o mundo, comparado ao olhar lírico verificado no Texto 3, de Gonçalves Dias.

R: Se, nos versos de Gonçalves Dias, a infância é evocada sob o signo da esperança, em cenário natural paradisíaco, no fragmento narrativo de Graciliano, a criança é retratada experimentando medo e humilhação diante da cólera do adulto. A cena do castigo sofrido, no interior da casa, ganha, aos olhos do menino, gratuidade e violência exacerbadas


b)
Comparando Infância, de Carlos Drummond de Andrade, e o fragmento de Infância, de Graciliano Ramos, é possível perceber marcas de linguagem comuns a que momento literário? Indique duas que lhe pareçam relevantes.

R: Modernismo é o movimento literário em pauta.
Como marcas de linguagem comuns aos textos, citem-se:
- o uso literário do registro coloquial;
- a economia da composição resultante: dos períodos diretos e breves, das reiterações raras mas significativas, tanto quanto da escola precisa do vocabulário.


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Questão 05
(valor: 2,0 pontos)


a) Reescreva a seguinte frase, substituindo o pronome me por uma expressão equivalente, sem alterar o sentido:

      A pergunta repisada ficou-me na lembrança (linha 1)

R: A pergunta repisada ficou na minha lembrança.


b)
A metonímia é um recurso que nos permite entre outras coisas fazer referência ao todo pela menção de uma de suas partes. Graciliano Ramos se utiliza desse recurso na construção da referência ao personagem do pai. Retire do Texto 4 uma expressão metonímica relacionada a esse personagem.

R: Relacionam-se metonimicamente ao personagem do pai as expressões como "a mão cabeluda", "o olho duro" e "a voz rouca".


c)
No texto de Graciliano Ramos, observa-se que freqüentemente os termos referentes à figura do narrador desempenham função de

      (a) sujeito de verbos de percepção; e
      (b) objeto de verbos de ação.

Comente essa afirmação analisando os verbos do terceiro parágrafo do Texto 4 ("Havia uma neblina...").

R: O terceiro parágrafo do texto confirma o que se diz no enunciado: observa-se que, nas orações com os verbos perceber, ver e saber, todos de percepção, os termos referentes à figura do narrador desempenham função de sujeito. Já nas orações com os verbos prender, arrastar e fustigar, todos de ação, tais termos desempenham função de objeto.


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