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Brasão da PUC-Rio

Coordenação Central de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-Graduação em Comunicação

Projetos de pesquisa

Linha de Pesquisa: Comunicação e Produção
Esfera Pública Automatizada: desafios da datificação e da inteligência artificial para a comunicação

Prof. Dr. Marcelo Alves dos Santos Junior

Descrição

Esse projeto busca entender a crise epistêmica como um epifenômeno de crises e de transformações mais amplas na sociedade. Dessa forma, situa o problema como uma consequência do capitalismo digital. Nesse sentido, é necessário investigar como as infraestruturas digitais de automação midiática com base em inteligência artificial e big data atuam como mecanismos epistêmicos. Para isso, estabelecemos diálogos com diferentes marcos teóricos e conceitos, como: comunicação e cultura digital, estudos de ciência e tecnologia, plataformização, datificação e estudos críticos sobre algoritmos, inteligência artificial e big data. A ideia é articular os objetos e temas de pesquisa, como capitalismo digital, crise epistêmica, personalização, hiper-segmentação, mídia programática e ativismo de dados a partir de um arcabouço teórico mais robusto sobre os desafios do capitalismo digital.

Antecedentes

O projeto acadêmico apresentado dialoga e expande interesses prévios de pesquisa elaborados do mestrado e no doutorado. Durante o mestrado, desenvolvi uma cartografia das redes antipetistas no Facebook em 2014, discutindo, sobretudo, os condicionantes sociopolíticos e midiáticos da emergência global da extrema-direita e na América Latina em particular (Alves, 2016). No doutorado, busquei analisar empiricamente a partir de uma análise longitudinal e comparativa a construção da visibilidade de atores de extrema-direita inseridos em contexto de plataformização da comunicação e governança algorítmica (Alves, 2019). Em consequência desses estudos, compreendi que é fundamental analisar o surgimento desses problemas em relação ao arcabouço teórico mais amplo do capitalismo digital e seus temas de datificação e automação das mídias.

Objetivos

O objetivo geral desse programa de pesquisa é analisar a desinformação a partir de ferramentas teórico-analíticas diversas que se propõem a aprofundar o debate além de uma perspectiva positivista sobre os fatos ou tecnodeterminista em relação à mídia.

Objetivos específicos

  1. Mapeamento multiplataformas de redes de poluição informacional;
  2. Desafios da personalização e da segmentação na publicidade digital;
  3. Mídia programática e a monetização da desinformação;
  4. Ativismo analítico: pesquisar e fomentar práticas midiáticas e comunicativas de literacia de dados, dados para o bem comum e ativismo analítico como repertório da sociedade civil.

Perspectivas Teóricas

Nos últimos anos, um esforço enorme de pesquisa empírica em diversas áreas do conhecimento vem tentando desvendar o problema da crise epistêmica (Dahlgren, 2018). Ainda que os conceitos e instrumentos analíticos, como fake news, disinformation, misinformation, malinformation sejam criticados (Farkas e Schou, 2018; Carlson, 2020), há certo consenso acadêmico sobre a reorganização dos regimes de conhecimento (Wardle e Derakhshan, 2017; Bennett e Livingston, 2018; Cesarinio, 2021). A crise epistêmica pode ser definida como o declínio da autoridade e da confiança em instituições tradicionais de produção de verdade e consequente reorientação das epistemes e processos de construção de conhecimento (Albuquerque e Quinan, 2019; Bolter, 2019; Oliveira, 2020; Cesarino, 2021). Essa crise epistêmica se asseverou durante a pandemia de covid-19, sobretudo, em função do espalhamento descontrolado de teorias das conspiração contra vacinas e desinformação sobre tratamentos, gerando um grave impacto de saúde pública (Sacramento e Paiva, 2020).

Entender a crise epistêmica como um epifenômeno de crises e de transformações mais amplas na comunicação é situar o problema como uma consequência multifacetada do capitalismo digital (Srnicek, 2018; Couldry e Mejias, 2020; Katz; 2020; Lemos; 2020; Zuboff, 2020; Cesarino, 2021). Andrejevic (2019) defende que o modelo comercial de mídia automatizada impõe desafios que não podem ser resolvidos por alternativas como auto-regulação ou educação dos cidadãos, mas pela análise crítica das conexões entre infraestruturas digitais e políticas públicas que minam e dificultam as possibilidades de funcionamento saudável da democracia. “Se o processo deliberativo se tornar disfuncional, essa seria mais uma oportunidade para sistemas automatizados avançarem para o próximo estágio da automação social: automatizar o político” (Andrejevic, 2019: 62).

Este projeto se debruça sobre marcos teóricos e linhas de investigação distintas, como: mídia e tecnologia, comunicação política, sociologia da tecnologia, ciências sociais computacionais e métodos digitais. É necessário compreender como as infraestruturas digitais de automação midiática com base em inteligência artificial e big data atuam como mecanismos epistêmicos (Rogers, 2009; Katz, 2020; Crawford, 2021) que constroem determinados regimes de verdade na sociedade contemporânea: "Podemos dizer que as plataformas de mídias sociais e as corporações que são donas delas adquiriram o poder de enquadrar o mundo social e, por meio disso, nomear o que acontece nele, além de categorizar tudo, ou seja, ordenar por meio de seus algoritmos" (Couldry, 2019:423).

Metodologia

A agenda de pesquisa acionará procedimentos metodológicos mistos de inspiração quantitativa e qualitativa, sobretudo o modelo de métodos mistos, integrando ciências sociais computacionais, métodos digitais e qualitativos, como entrevistas, a fim de desenvolver perspectivas contextualizadas sobre o problema de crise epistêmica e os eixos de pesquisa apresentados anteriormente.


Comunicação, Internet e Política: Os impactos da Web no contexto democrático brasileiro

Docente: Prof. Dr. Arthur Cézar de Araújo Ituassu Filho

Descrição:

Este projeto de pesquisa trata dos efeitos da comunicação política digital na democracia brasileira. Nesse contexto, analisa impactos e potencialidades da Web nos planos institucional, representativo, informativo, participativo e deliberativo da política no Brasil. O projeto é desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio (COMP) e agrega estudos sobre internet e informação política, internet e opinião pública, internet e esfera pública, internet e transparência política, internet e representação política, internet e participação, internet e deliberação, internet e eleições etc.

Antecedentes:

A proposta segue questionamentos anteriores desenvolvidos no campo da internet e democracia e da internet e representação política (ITUASSU 2011; 2012; 2013; 2014; 2015). O projeto se insere em uma tradição que envolve estudos de mídia e política no Brasil, impulsionada pela experiência das eleições presidenciais diretas de 1989 e reforçada nos encontros do Grupo de Trabalho de Comunicação e Política da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós) e nos congressos da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (Compolítica).

Perspectivas teóricas:

As implicações que a comunicação via internet traz ou pode trazer para o mundo da política ou mais especificamente para a democracia já se configuram como um tema consolidado na área da Comunicação Social, em especial no campo de Comunicação e Política. Para além dos artigos acadêmicos, a questão está presente há algum tempo nas obras e coletâneas da área (BENNETT; ENTMAN, 2001; GOMES; MAIA, 2008; CHADWICK; HOWARD, 2009; COLEMAN; BLUMER, 2009; MIGUEL; BIROLI, 2010 etc.). Nesse contexto, estudos são desenvolvidos sobre os impactos da Web nos campos da informação política, transparência, representação política, participação e deliberação, bem como sobre o uso estratégico da comunicação política digital no âmbito eleitoral, sempre respeitando-se os eixos tradicionais da teoria democrática: liberalismo, republicanismo e deliberacionismo (HABERMAS, 1994; GOMES; MAIA, 2008; ITUASSU, 2011).    

Objetivos:

Metodologia:

O projeto de pesquisa segue uma orientação epistemológica pragmática (CRESWELL, 2008), i.e., centrada na aplicação de métodos específicos para a abordagem de problemas propostos. Segundo teóricos dessa escola, o pragmatismo como epistemologia surge da análise de ações, situações ou consequências e não de condições antecedentes "naturais" ou independentes, como no positivismo ou pós-positivismo. Em vez de focada no método, a pesquisa pragmática enfatiza o problema de pesquisa e o uso de todos os instrumentos disponíveis para a abordagem do problema. Nesse sentido, sua característica fundamental consiste na atenção devida ao estabelecimento de uma questão própria do campo da Comunicação e Política e no uso de técnicas e abordagens plurais para o seu entendimento. Nesse sentido, a pesquisa abraça metodologias qualitativas e quantitativas de trabalho, privilegiando a definição do "o que" e do "por que" antes da escolha do "como" (JENSEN; JANKOWSKI, 1991)


Imaginário e práticas sociais nas narrativas televisivas

Docente: Tatiana Oliveira Siciliano

Descrição:

Este projeto propõe compreender o processo de construção do imaginário social a partir das narrativas ficcionais televisivas, veiculadas em canais abertos e/ou por assinatura. Pretende-se analisar tanto as narrativas do ponto de vista de sua produção de significados e da construção de modelos culturais, práticas de consumo; como compreender as formas de recepção das múltiplas audiências.

Antecedentes:

As pesquisas se inserem em um conjunto de interesses temáticos sobre as práticas de consumo, hábitos de mídia, distinções operadas a partir dos gostos, os significados das narrativas ficcionais e publicitárias levando em conta grupos distintos de consumidores e análise dos discursos ficcionais como representações sobre o imaginário social.  As interações entre os meios de comunicação, as formas de narratividade e a recepção vêm sendo transformadas ao longo do tempo e, mais intensamente, na contemporaneidade com a emergência das novas tecnologias digitais.

Objetivos:

O objetivo central é compreender como os discursos ficcionais televisivos disseminam representações sobre as relações cotidianas, formas de sociabilidade, concepções sobre moda e estilos de vida, ao operarem como modelos de valores aceitos e rejeitados, da formação do gosto e da lógica da distinção. Também se intenciona investigar como as audiências reelaboram esses discursos, a partir de suas experiências e “lógicas de usos” (Certeau, 2008) transformando-os em vivências próprias.  Para isso, serão aprofundadas as seguintes questões:

Perspectivas teóricas

A televisão, sobretudo a televisão aberta, vem se mantendo como o meio de comunicação hegemônico e que recebe, conforme relatam pesquisas de mídia, a maior parcela dos  investimentos publicitários no Brasil. No entanto, o quadro de estabilização econômica e de expansão do consumo nas camadas populares, vivenciado nos últimos anos, permitiu um crescimento da televisão paga nos lares.  A grande audiência da televisão, e daí o interesse dos anunciantes em veicularem suas marcas nesse meio, sublinha o seu importante papel como produtora e disseminadora de conteúdos simbólicos. Não é possível pensar na cultura de massa no Brasil, sem pensar na televisão. Destaca-se sua importância como produto da indústria do entretenimento e da informação, sua capacidade de construir notícias, de lançar modas, de influenciar o consumo e de produzir novas práticas de sociabilidade. Também sublinha-se o seu papel de “fábrica de sonhos” que converte o indivíduo anônimo em celebridade, que transforma pessoas comuns em bem vestidas, experts em decoração ou portadores de silhuetas mais em linha com os “modelos” veiculados. Afinal, a televisão - por sua grande audiência e elevado poder de negociação comercial – se constitui contemporaneamente na mais poderosa “máquina do imaginário coletivo” (Rocha, 1995).

Ao circular um amplo repertório de conteúdos que vão desde os programas gourmet, passando por dicas de viagens até aconselhamentos sobre investimentos financeiros; pode-se dizer que as narrativas televisivas sugerem caminhos para os telespectadores construírem suas identidades, aqui entendidas como autoexpressões, como busca de singularizações a partir da reapropriação e da manipulação subjetiva dos significados simbólicos veiculados (Campbell, 2004 e 2006).  É conhecida a capacidade das personalidades televisivas de lançarem moda no vestuário, no uso de penteados e de cortes de cabelo, na decoração dos ambientes, nos cuidados com o corpo e com o “bem-estar”. Enfim, divulgam não apenas serviços e produtos, mas práticas sociais e visões de mundo. Ao serem reconhecidas como celebridades ou ao gerarem empatia nas tramas através de suas personagens, tornam-se símbolos e referências, que também são apropriados pelas narrativas publicitárias, potencializando tais representações sobre o consumo.

Parte-se do pressuposto de que as narrativas televisivas são socialmente construídas (Berger e Luckmann,1985).  Para decodificar os significados das narrativas televisivas, é preciso compreender as múltiplas vozes que surgem na interação (Becker, 2009).  Funcionam como textos coletivos que ensinam sobre o ethos da sociedade contemporânea. As emissoras procuram criar através de seus programas, identidades, padrões de comportamento, sociabilidade e consumo, compreendidos e compartilhados pela audiência através de “uma educação de sentimentos” (Geertz,1973)..

O mundo da televisão é uma atividade social, uma “ação coletiva” (Becker, 1977) que envolve múltiplos agentes, pessoas que “fazem coisas juntas”, mediados por convenções, modos de fazer (regras) e padrões estéticos compreendidos por esse grupo. Em geral, autores de programas televisivos, negociam seus escritos com vários outros agentes: a direção que orquestra todos os envolvidos, os apresentadores e/ou atores que interpretam a mensagem, a produção, a cenografia, a equipe de filmagem, de figurino, etc. Profissionais que, a partir de seu trabalho, podem interferir e alterar o texto original. Além disso, no caso de um programa contínuo, o conteúdo vai sofrendo correções e desvios, em função das “mediações” (Mártin-Barbero, 2008) entre produção e recepção.

Processos comunicativos são práticas socioculturais e, portanto, decorrem de ações recíprocas entre os indivíduos. Trata-se de diferentes formas de “sociação” que englobam tanto afiliações, como conflitos. Pois a sociedade e seus produtos sociais, como os disseminados pela indústria cultural, existem sempre que os atores sociais interagem (Simmel, 1970 e 2006); o que não significa que o “campo” da televisão seja uma esfera produtora de igualdade. É preciso vê-lo como um processo interativo, mas também como uma arena de disputas, na qual nem todos os agentes possuem os mesmos “capitais simbólicos” (Bourdieu, 1996, 1997 e 2006). As tomadas de posição no campo e seu peso relativo, em relação aos demais agentes e instituições, dependerá do lugar ocupado pelo ator social na estrutura. Dessa maneira, é fundamental identificar, através dos discursos televisivos, as múltiplas vozes, nem sempre uníssonas, dos envolvidos: telespectadores, produtores, anunciantes, jornalistas, etc.

Metodologia

Para compreender os processos de significação sobre as narrativas televisivas nos seus diferentes formatos e modos de veiculação, adotaremos como método de trabalho a coleta, o registro, a compilação e a análise dos conteúdos televisivos, bem como utilizaremos pesquisas e análises dos materiais sobre audiência e receptividade de programas televisivos publicados na mídia impressa, internet e sites das emissoras. Também serão realizadas pesquisas qualitativas ­- como entrevistas em profundidade, discussões em grupo e etnografias - com telespectadores de diferentes idades, gêneros, escolaridades, profissões e classe sociais; produtores de conteúdo e formadores de opinião.


Narrativas ficcionais na era da convergência de mídias: continuidades e desvios do paradigma estético modernista

Docente: Vera Lúcia Follain de Figueiredo

Descrição:

Literatura e cinema vêm atravessando grandes transformações em função não só das tecnologias digitais, mas também pela vasta expansão da cultura midiática de mercado, que, diluindo as fronteiras entre alta e baixa cultura, põe em xeque os paradigmas estéticos da modernidade. Considerando esse contexto, o projeto concentra-se na análise do fenômeno de deslizamento das narrativas ficcionais por suportes e meios diversos, isto é, no processo contínuo de reciclagem das intrigas para circulação por diferentes plataformas. Trata-se de pensar as alterações na hierarquia cultural provocadas pela intensificação, na era eletrônica, desse movimento de intercâmbio, tanto no que diz respeito à literatura, cujo prestígio esteve sempre estreitamente relacionado à aura do suporte livro, quanto no que se refere ao cinema, em decorrência da multiplicação de narrativas transmidiáticas, cujo conteúdo se desdobra em filmes veiculados nas salas de cinema, em videojogos, histórias em quadrinhos e seriados televisivos.

Antecedentes:

A presente pesquisa é um desdobramento do projeto anterior, desenvolvido com apoio do CNPq, em que se analisou a relação entre obras literárias e cinematográficas brasileiras, na contemporaneidade, enfatizando o papel do mercado editorial como mediador entre os dois campos, ou seja, priorizou-se a sinergia entre a indústria editorial e a cinematográfica. Mereceu atenção especial o empenho crescente do mercado editorial no sentido de criar best sellers a partir das telas, de despertar o interesse pela obra literária a partir do sucesso de sua versão audiovisual.

Foram, então, abordadas as mudanças no campo da recepção dos textos literários, decorrentes da vinculação a produções audiovisuais - vinculação que se manifesta, por exemplo, no compartilhamento de espaço com o roteiro, na edição em livro (veja-se o caso do romance O Invasor, de Marçal Aquino, publicado juntamente com o roteiro do filme), ou em reedições com imagens e outros tipos de referência às obras cinematográficas a que deram origem (veja-se a fotografia de uma cena do filme, estampada na capa da reedição do romance  Cidade de Deus, de Paulo Lins). Por esse viés, discutiu-se a questão do lugar da literatura na sociedade midiatizada, levando em conta o impacto da hegemonia dos meios audiovisuais sobre as pautas de produção, consumo e valoração da obras literárias.

Objetivos:

Perspectivas teóricas:

A diluição das fronteiras formais e materiais entre campos artísticos, na contemporaneidade, remete não só para transformações que sinalizam o declínio do paradigma estético modernista, mas também para aspectos que indicam a sua continuidade, ainda que em diferença, a despeito das mudanças ocorridas no campo cultural. Não se pode deixar de observar, por exemplo, que uma certa euforia, por parte de determinados artistas e críticos, diante das  possibilidades  de emprego da tecnologia digital na esfera artística, atualiza o entusiasmo modernista com o progresso tecnocientífico. Também não se pode esquecer que um elemento-chave do modernismo e das chamadas vanguardas históricas era a fertilização cruzada, a integração, do que se havia considerado artes diversas.  Nesse sentido, tem razão Leo Manovich ao afirmar que técnicas, como a montagem disjuntiva ou a colagem de materiais de procedência diversa, inventadas pelas vanguardas dos anos 20 com o propósito de promover uma inovação estética radical, se converteram em operações básicas e rotineiras na era do computador (2006).

Por outro lado, o processo de reciclagem das intrigas ficcionais, o reaproveitamento, pelo mercado, de matérias ficcionais disponíveis, aponta para o declínio da estética modernista da originalidade e para a afirmação de uma estética, derivada da produção cultural de massa, pautada por uma forma peculiar de novidade, que surge do jogo de repetições, alternâncias e modulações: uma estética da diferença na repetição, como definiu Umberto Eco.

Cada vez mais, a ideia de uma obra-prima acabada, fechada em sua perfeição, cede espaço para a do texto em contínua reelaboração, que se quer flexível, de modo a facilitar o deslizamento por diferentes meios e suportes. O artista, cuja formação tende a ser multimídia, torna-se um orquestrador, trabalhando com mensagens de diversas séries: literárias, visuais, musicais. No caso das narrativas transmidiáticas, o processo de criação já prevê a circulação das obras em suportes diferentes, como o livro e a tela do cinema ou da televisão. Além dessas iniciativas, que têm como ponto de partida a cooperação entre várias esferas de produção, cabe destacar, no âmbito das interseções entre cinema e literatura, que o espaço de tempo entre a publicação de um livro e de sua transcriação para o cinema tornou-se cada vez mais reduzido, sendo que, por vezes, o romance começa a ser adaptado antes mesmo de ter sido dado como concluído pelo escritor. Projetos editoriais, como a coleção Amores expressos, por exemplo, pressupõem, logo de início, a adaptação dos romances para as telas, além da realização de um documentário sobre a estada dos escritores nas cidades para onde foram enviados para escrever os romances, e dos blogs, nos quais estes escritores registrariam, dia a dia, verbalmente e através de fotografias, as experiências vividas a partir da participação no projeto.

O fenômeno da transcodificação e reciclagem das narrativas ficcionais aponta, portanto, para a necessidade de rever padrões consagrados de valoração. O avanço das tecnologias da comunicação e as pressões do mercado favorecem interseções e deslocamentos que colocam sob suspeita categorias puras e dicotomias, das quais o pensamento ocidental moderno se serviu, na sua determinação de tudo classificar e compartimentalizar. Daí a relevância, para os estudos da Comunicação, do desenvolvimento da reflexão teórica sobre os processos de circulação dos bens culturais e de convergência dos meios.

O corpus do projeto “Narrativas ficcionais na era da convergência de mídias: continuidades e desvios do paradigma estético modernista” será composto de narrativas literárias, cinematográficas e roteiros, assim como de entrevistas e depoimentos de escritores, roteiristas e editores. A análise deste material será fundamentada em bibliografia teórica da área de comunicação e de outros campos do saber que com ela dialogam.

Metodologia:

A metodologia a ser utilizada pressupõe a atividade analítica voltada para as obras que compõem o corpus da pesquisa, orientada por uma perspectiva comparativista e transdisciplinar, e o tratamento crítico-ensaístico do problema proposto. O referencial teórico constará basicamente de estudos nos campos da Comunicação, do Cinema, da Sociologia, da História cultural, da Estética, da Teoria da Literatura e da Literatura Brasileira contemporânea.


Jornalismo, Mídias Digitais e Economia Política da Comunicação

Docente: Profª Drª Patrícia Maurício

Descrição:

A pesquisa analisa a disrupção do modelo de negócios das mídias tradicionais pela internet. A publicidade está se transferindo cada vez mais para a internet, onde a concorrência pela verba dos anunciantes é muito maior, fazendo com que o financiamento do jornalismo on line pela publicidade se torne um enorme desafio. Estas mudanças no jornalismo estão dentro de um contexto maior de transformações trazidas pelas novas tecnologias da informação. Isso tem levado a mudanças no modo de produção, distribuição e consumo do jornalismo, e também a disputas judiciais entre a grande imprensa, tanto do Brasil quanto do mundo, contra empresas de tecnologia que ganham dinheiro sobre conteúdo produzido por ela. As novas experiências de jornalismo e o fluxo de notícias (reais ou falsas) nas redes também são estudados.

Antecedentes:

Esta pesquisa é, em grande medida, uma continuidade e união dos meus estudos no mestrado e doutorado na Escola de Comunicação da UFRJ. Minha dissertação de mestrado é intitulada “O jornalismo econômico em jornal no Rio de Janeiro”, e a maior parte dela é dedicada a entender as condições de produção deste jornalismo, o que se insere na Economia Política da Comunicação e dialoga com a pesquisa atual sobre jornalismo. Outra parte trata dos efeitos sobre o conteúdo, através da análise do discurso de reportagens. No doutorado, a tese “Conflitos na TV digital aberta brasileira” (posteriormente publicada em livro com o título “Conflitos na TV digital brasileira”, pela Editora da PUC-Rio em parceria com a Editora Apicuri) trata do modelo de negócios da televisão brasileira e das disputas políticas envolvendo o modelo para a TV digital no país. Estas disputas políticas foram analisadas tomando por base seus contextos econômico, tecnológico e histórico. Durante o doutorado, fiz parte do grupo de pesquisa interdisciplinar da PUC-Rio Instituto de Mídias Digitais, o que me proporcionou debater meu objeto de pesquisa com pesquisadores da Informática e Engenharia de Telecomunicações, trazendo uma visão interdisciplinar ao tema. A experiência adquirida no mercado de trabalho de jornalismo (em redações de jornal, rádio e TV) anteriormente à vida acadêmica me auxilia na observação dos fenômenos que ocorrem hoje no jornalismo e nas mídias digitais de forma geral.

Objetivos:

O objetivo da pesquisa é analisar o atual momento em que a internet faz uma ruptura no modelo de negócios do jornalismo. O financiamento do jornalismo pela publicidade, que garantiu por muitas décadas o funcionamento dos grandes jornais, emissoras de TV, revistas e rádio, está em mutação, e ainda não existe resposta para quando, se e de que forma haverá um ponto de chegada em um novo ou novos modelos. São estudados especificamente nesta pesquisa:

Perspectivas teóricas:

O projeto se situa no âmbito da Economia Política da Comunicação, a qual começou a se desenvolver nos anos 1960, na esteira das reflexões sobre a indústria cultural. Para esta escola de pensamento, o conceito de democratização das comunicações se diferencia da mera liberdade de expressão por esta estar mais associada à liberdade de expressão dos donos dos meios de comunicação, que podem se sobrepor ao interesse público.

A Economia Política da Comunicação se ramificou também para questões relativas à regulação e posse dos meios da internet e como isso atinge o conteúdo, além de manter a reflexão sobre os demais meios. A disrupção que a internet traz ao modelo de negócios de todos os meios tradicionais é, portanto, objeto de análise desta escola de pesquisa, sempre levando em conta o interesse público.

A descoberta de um modelo de negócios sustentável se coloca hoje para o jornalismo como uma questão de sobrevivência. De que forma o jornalismo de qualidade pode sobreviver na internet no Brasil, em que a tradição dos meios de comunicação públicos é quase irrelevante? Seria uma saída nos voltarmos para o financiamento público? Leal Filho define como públicos apenas os veículos financiados diretamente ppor seu público através de uma taxa, como é o caso da BBC, no Reino Unido. O público é seu dono direto e o gerenciamento é feito por conselhos; os veículos funcionam como clubes, como era o caso das primeiras emissoras de rádio no Brasil. Para os meios financiados por governos, como é o caso da Rádio MEC, no Brasil, Leal Filho usa o termo estatal. Os financiados por anunciantes são chamados privados. A TV por assinatura, embora financiada em boa parte por assinantes (e que também usa recursos de anunciantes), é privada, pois sua propriedade é privada.

A forma de financiar o veículo afeta o conteúdo transmitido, e se o dinheiro do público chega ao veículo diretamente ou indiretamente, o efeito será diferente. O mesmo pensava o pioneiro do rádio no Brasil, Roquette-Pinto, já na década de 20 do século passado, quando havia uma discussão sobre quem financiaria o rádio brasileiro. Para ele e outros defensores da taxa paga pelos ouvintes, o veículo ser sustentado pelos próprios usuários trazia independência para o conteúdo, enquanto a publicidade os tornaria dependentes dos interesses do mercado. É o mesmo pensamento de Pierre Bourdieu, que denunciou, na televisão, a “mentalidade-índice-de-audiência”.

Hoje, o chamado crowdfunding (arrecadação de recursos entre os leitores/usuários de um site jornalístico), é o que mais se aproxima, no jornalismo brasileiro na internet, do modelo público, mas ainda está longe de conseguir sustentar esses projetos. Porém, é uma forma de tratar seu público como cidadãos, e não consumidores. Para Gorz, o consumidor, individual por definição, foi concebido desde a origem como o contrário do cidadão, como o antídoto da expressão coletiva de necessidades coletivas, contrário ao desejo de mudança social, à preocupação com o bem comum.

A internet foi e é o grande motor da disrupção do modelo de negócios privado do jornalismo. Portanto, autores que refletem sobre a internet também servem de base a esta pesquisa, como Pierre Lévy, que cunhou o conceito de inteligência coletiva; Chris Anderson, por apresentar o surgimento do mercado de nicho trazido pelo armazenamento e distribuição digitais em contraponto aos antigos hits, best sellers e blockbusters; Henry Jenkins, que estuda a cultura da convergência;  Ronaldo Lemos, do ponto de vista jurídico; e Zygmunt Bauman, ao refletir sobre os efeitos das novas tecnologias no ser humano no contexto da modernidade líquida. Na questão de como essas mudanças no modelo de negócios do jornalismo podem afetar o conteúdo, a pesquisa se apoia em teorias do jornalismo, como o newsmaking, e também, para pensar o contexto em que elas se dão, nas reflexões de Mikhail Bakhtin, especialmente no que diz respeito a seus conceitos de respondibilidade (a resposta ou ação com responsabilidade sobre suas consequências) e o dialogismo. Isso inclui a relação do autor com seu futuro leitor, a qual já existe no momento da construção da reportagem.

Metodologia:

Por ser a análise de um objeto de estudo em mutação, a pesquisa busca fazer uma constante revisão bibliográfica sobre o tema, não apenas em livros e artigos acadêmicos, mas também em documentos produzidos pela própria imprensa sobre este processo, como os relatórios do jornal The New York Times. As notícias sobre o tema na grande imprensa e em sites especializados e as novas experiências no jornalismo digital serão acompanhadas, além de dados do mercado de trabalho dos jornalistas no Rio de Janeiro, através do sindicato da categoria no município. Entrevistas em profundidade, observação participante e acompanhamento de palestras também são partes importantes na metodologia desta pesquisa.